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sábado, 4 de janeiro de 2014

MANOEL ALMEIDA, UM PATRIOTA

Artigos publicados em capítulos no jornal O Barranqueiro, de São Francisco

Capítulo I

Ainda muito jovem, aluno do Curso Normal da Escola Caio Martins de Esmeraldas, ouvi de um padre canadense, em visita ao sistema educacional revolucionário que chamava atenção de autoridades educacionais do Brasil e lá de fora, dizer, numa reunião em um bosque, cercado por um grupo de jovens: “Aprendi no Brasil o significado da palavra patriota na pessoa do coronel Manoel Almeida”. Nunca mais tirei da minha lembrança aquele depoimento.
            No correr dos anos, enquanto eu avançava no curso, aumentavam os contatos com o coronel Almeida, o que se dava, invariavelmente, aos domingos, depois da missa na Igreja de Santa Tereza, onde colado ao harmônio, no alto do coro, eu ensaiava o meu gosto pela música, puxado por dona Márcia, esposa do coronel. Depois, descíamos para um salão que era carinhosamente chamado de a Rádio e lá, com os moradores da fazenda, cantávamos belas canções do cancioneiro brasileiro  no Coro Orfeônico Catulo da Paixão Cearense  - eu gostava de ficar ao lado do sargento Barroso com sua voz de baixo respondendo os refrões de músicas como Ó meu Brasil. Mais tarde fiquei sabendo que aquele encontro era a síntese social pregada pelo coronel - a educação das crianças em convivência com as famílias dos fazendeiros da região, funcionários e professores - uma grande família. Por comum nos reuníamos no bosque - um local aprazível, coberto por portentosas e antigas árvores, dos tempos da velha fazenda Santa Tereza. Por horas o coronel nos passava lições e mais lições, aulas tão especiais que só mais tarde vim associar ao que faziam os antigos filósofos da Grécia. Sempre uma novidade - a presença de educadores (Dona Helena Antipoff, famosa pedagoga, sempre estava a falar com imberbes jovens) jornalistas (uma equipe da Revista o Cruzeiro, tendo à frente Florence Bernard, que foi minha madrinha de formatura, e o fotógrafo Eugênio Silva), políticos de todos naipes (lá conheci e fui fotografado ao lado do então governador Juscelino Kubistchek) e certa vez, olha só, quem se sentou num toco de árvore, cercado de meninos a contar-lhes belas histórias: Malba Tahan. À época eu não tinha a menor ideia da importância daqueles encontros. Não tinha, mas eles foram como sementes plantadas em meu âmago. Guardei cada um, cada palavra assimilada, por simbiose que seja, tudo que, na vida futura regurgitou e tanto tem me ajudado - como educador, profissional do direito, escritor e  um cidadão cônscio de seus deveres para com a Pátria (o que não me permite desanimar com tantos desencontros que nos proporcionam nossos políticos).
            Veio minha formatura - professor. Eu tinha muitas portas abertas, mas havia um chamado mais forte. O coronel nos acenou uma possibilidade de realização como homens úteis ao país e a trabalhar pelo soerguimento do homem do campo, o que não pude recusar fazendo-me bandeirante do Urucuia - a fundação de um núcleo colonial no meio do nada e ali plantando uma escola e, depois uma civilização. Levamos  luz aos fundões do Urucuia.
            Do Urucuia, quando eu mais gozava do meu amor pelos sertões esquecidos, com seu mundo encantado de “veredas tropicais e morenas dos olhos verdes”, que o coronel plantou em nossos sonhos (as veredas conheci tantas e as amei, as morenas, só no pensamento), o coronel alçou-me para dirigir a escola Caio Martins de São Francisco. Relutei muito, mas não teve jeito, levaram-me do Urucuia. E, muito depois constatei, de fato, quão grande educador era o coronel Almeida, um conhecedor profundo da alma humana, ele conhecia os seus “meninos”. Só assim explica-se o fato de ele me colocar na direção de uma escola de educação mista, onde muitos alunos eram mais velhos que eu; que era dirigida por um respeitado coronel e político de São Francisco - Oscar Caetano Gomes e sua amada esposa dona Alice. Eu mal tinha os sinais de barba.
            Ainda que guarde profunda saudade do Urucuia, hoje eu agradeço a decisão do coronel, pois encontrei uma vida nova em São Francisco, que adotei como minha querida terra, onde encontrei minha esposa e aqui nasceram meus filhos - a que não nasceu, aqui foi criada.
            Pois é, fiz um rápido preâmbulo sobre o que, de fato, vou retratar -  Manoel Almeida, um patriota. É que chegou às minhas mãos, pelo carinho de Rita Heloisa de Almeida, filha caçula do casal Manoel e Márcia, um histórico livro: Manoel José de Almeida - Depoimentos, discursos e escritos coligidos por ocasião do centenário de seu nascimento - 1912-2012.
            É preciso tecer alguns comentários sobre o livro, ou melhor, sobre a vida de Manoel Almeida, o homem que ajudou a transformar o vale do São Francisco, através da educação e ações sociais, e tudo somente com a força do ideal, do patriotismo. É o que farei nos próximos capítulos para render nossas homenagens à pessoa desse grande barranqueiro e, em especial, marcar sua passagem por São Francisco, onde viveu como criança e cultivou muitos amigos.

Capítulo II

            De nascer, Manoel Almeida é de Januária; de ser, ele das Minas e do Brasil. Ele é barranqueiro das Pedras dos Angicos. Ele nasceu no dia 23 de setembro de 1912, filho de José Antônio Almeida e Rita Dias Ortiga de Almeida. Ainda imberbe veio, com os pais e mais quatro irmãos para São Francisco. Aqui, o pai foi envolvido em uma contenda política numa época que quase tudo se resolvia com a força da carabina. O jeito foi deixar a cidade. A responsabilidade de cuidar da mãe e dos irmãos ficou para Manoel que começou a trabalhar em uma alfaiataria. Mais tarde, o pai teve nova oportunidade na vida como instrumentista em banda de música militar em Diamantina, onde pôde reunir a família. No embalo, Manoel também ingressou na banda de música como clarinetista. Mais tarde, por incompatibilidade com seu pai, antecipou-se e aos dezessetes anos ingressou na Força Pública Mineira, no 3ª Batalhão de Infantaria de Diamantina. Começava, aí, uma brilhante carreira do militar que chegou ao mais elevado posto da corporação, depois se fez um notável e reconhecido educador, e um grande político expoente de valores éticos e elevado espírito de cidadania.
            A infância de Manoel Almeida em São Francisco  foi marcada por um período difícil, de exasperação, coincidindo com um dos períodos mais negros de nossa história, marcadas por disputas de poder e de terras por homens valentes, e a polícia no meio. Em seu  depoimento ele descreve episódios marcantes da vida são-franciscana - marcante como uma nódoa que deu à cidade a pecha de arrelienta e, por isso, sendo fadada ao atraso. Ele viu a chegada de jagunços remanescentes do bando de Lampião. Esteve no cenário da morte do juiz Antero Simões  e o modo desprezível como ele foi enterrado; Antônio Dó, Andalécio, Manduca, tenente Alcides Amaral, Odorico Mesquita e Carolino do Amor Divino que vieram de fora e entraram na luta pelo poder o que levou ao famigerado Barulho ocasionando a diáspora de importantes famílias são-franciscanas: Caetano, Ribas e Mendonça - para fazenda Santa Cruz - revolucionado pelo espírito empreendedor do coronel Oscar e a vocação de educadora de dona Alice Mendonça -, Pirapora - onde Sancho Ribas se transformou em grande empresário e político, que teve o filho Silvano como prefeito e Markus Ribas se destacando no cenário artístico nacional - e São Romão, onde viria nascer Aristomil Mendonça, futuro prefeito de São Francisco. Manoel, em seu depoimento, faz paralelos, guardadas as proporções, entre a revolta de Antônio Conselheiro (Guerra dos Canudos) e Antônio Dó, que se transformou em famoso jagunço. Num caso o envolvimento desastroso do Exército, por falsas interpretações; noutro da Polícia Militar, pelo mesmo motivo.
            Foi nesse clima de terror que José Antônio, avisado do risco que corria - risco certo, marcado, como tudo acontecia naquele tempo - chamou o filho para dar um passeio. Era a sua fuga de São Francisco. E Manoel conta que, tomando uma mula arreada, despediu-se do filho dizendo:
            “Meu filho, tome conta da sua família. Eu vou e não sei quando volto. Eu vou para não ser humilhado. Eu vou para não passar os mesmos dissabores que os outros meus companheiros têm passado. E você tome conta de sua família”.
            Duro encargo para o menino Manoel, o que ele suportou e que foi, certamente, o seu primeiro aprendizado para enfrentar a vida. Caldeado em uma situação de aflição e insegurança, ele foi conquistando espaços, crescendo e se preparando para ser o notável brasileiro a quem tanto devemos, nós do vale do São Francisco e das Minas Gerais - e do Brasil, é claro, posto que seu legado é inegável e imorredouro.
            A vida de Manoel Almeida, na sua infância em São Francisco, é um registro de época - uma época tão conturbada e até sanguinolenta que deve ser evocada com atenção, servindo de reflexão para que, nos tempos atuais, a nossa sociedade pense melhor nossos destinos e de nossos filhos. Podem eles não estar sofrendo as pressões violentas do banditismo, mas outras podem premi-los ou influenciá-los à falta de nosso comprometimento com a cidadania e um propósito de vida, como construiu Manoel Almeida.

Capítulo III

            A vida de Manoel Almeida como educador foi marcante. Com formidável espírito visionário ele enxergava muito além dos comuns de seu tempo e isso permitiu que, como jovem oficial da Polícia Militar, então ocupando a chefia do gabinete do comandante-geral da PMMG, coronel José Vargas, ele, numa inspirada intuição, sugerisse o aproveitamento da Fazenda Santa Tereza, onde a corporação criava animais para o Batalhão da Cavalaria. O governador Milton Campos buscava dar um melhor aproveitamento àquelas instalações e, lançada a ideia, brotaram sugestões das mais variadas. Uma, contudo, nascida de uma iluminada intuição de Manoel Almeida foi a que mais sensibilizou o governador: criar uma escola para abrigar crianças desvalidas. À época já preocupava o problema dos menores desassistidos, então amparadas pelo famigerado e de triste memória Serviço de Assistência ao Menor – SAM.  O governador entusiasmado passou ao Manoel Almeida a incumbência de elaborar o plano para instituir a escola, o que deu origem ao Decreto 2.565 de 5 de janeiro de 1948. A síntese do plano acolhida pelo governador  foi aprovada e publicada pela primeira vez em 1950 – em 1980 ela foi reimpressa sob o título “As Escolas Caio Martins e seu Programa de Desenvolvimento”
            Era o início de uma jornada educacional e pedagógica  que teria imensa repercussão no Brasil e além fronteiras. A jovem instituição começou a receber visitas de educadores e políticos, todos vivamente interessados em conhecer aquela experiência que abria as portas do mundo para crianças até então sem perspectivas de vida. Ali pousaram Helena Antipoff, Eunice Weaver, Lourenço Filho, Cândido Jucá Filho, Amaral Peixoto, Pierre Bouvet, padre  Flanagan, governadores Juscelino Kubitschek, Bias Fortes, Arnon de Melo (Alagoas), Clovis Salgado – ministro da Educação -, Pedro Aleixo, secretário de Estado do Interior (MG).
            Em 1952 as Escolas Caio Martins chegaram ao Vale do São Francisco, plantando o primeiro núcleo em Buritizeiro, pequena vila de pescadores  então município de Pirapora. Foi a ponta de lança para chegar mais tarde – não muito – às margens do rio Carinhanha, região lindeira da Bahia – em 1953 foi fundado o Núcleo Colonial Vale do Carinhanha por 12 jovens bandeirantes adredemente preparados  em Esmeraldas, isto no mês de setembro. No mês de dezembro – outra experiência educacional de Manoel Almeida, muito avançada e de profundos reflexos na formação do caráter e espírito de cidadania dos jovens – eu, Raimundo, Holmes e Saldanha, alunos da primeira turma do Curso Normal Regional criado em Esmeraldas no ano de 1953, ainda adolescentes, fomos destacados para ajudar os bandeirantes na implantação daquele núcleo. Durante o dia desempenhávamos tarefas diversas – eu e Raimundo éramos, ao lado de Isaias, um caboclo da região – encarregados de  fabricar tijolos para levantar as primeiras casas do Núcleo; à noite, nos recolhíamos em barracas de lona.
            Em 1956 surgiram os Centros de Treinamentos de Jovens Líderes Rurais, dos quais falarei mais tarde, considerando sua grande importância para os municípios de São Francisco e Januária ao longo de muitos e muitos anos.
            Em 1957 foi fundado o Núcleo Colonial Vale do Urucuia, também por 12 bandeirantes, no caso constituído por professores formados na primeira turma do curso normal de Esmeraldas.

Capítulo IV

            Ainda na fase de Manoel Almeida educador - na verdade o que ele mais foi - volto ao ano de 1957, quando foram instalados os Centros de Treinamentos para Jovens Líderes Rurais de Januária e São Francisco. Manoel Almeida tinha uma preocupação muito grande com o Vale do São Francisco, região de sua origem e que tão bem conhecia em suas necessidades, especialmente nos campos da educação e assistência ao homem do campo. Em Januária e São Francisco ele pôde, então, colocar em prática um interessante, muito rico e vanguardista projeto: educar o homem do campo através da criança. É isso, ele pensava no soerguimento do homem do campo que, então, vivia completamente isolado, esquecido, sem qualquer apoio dos governantes e até mesmo da sociedade. É de se imaginar, então, como viviam seus filhos naqueles idos num território de mais de 30 mil quilômetros quadrados, sem escolas, estradas, luz elétrica, sem nada, pode-se dizer.
            Preciso era transformar aquele mundo. Manoel Almeida, não podendo levar a escola ao campo, em todos rincões, encontrou um meio de intervir de modo a provocar uma transformação naquele panorama: criou os dois centros de treinamento com uma fórmula que poderia parecer utópica, mas que revelou, em pouco tempo, que seria, de fato, uma solução para a promoção do campo. Naquele tempo as poucas escolas rurais ministravam apenas os dois primeiros anos do ensino primário. Muito mal as crianças aprendiam escrever o nome e pronto.
            Como trazer as crianças para a escola na cidade, tirá-las de perto de sua família de costumes tão arraigados? Ele teve outra brilhante iniciativa: em São Francisco convidou um casal amigo para instalar o centro - um casal que era respeitado no município - Coronel Oscar Caetano, político famoso que comandou o município durante 15 anos, no Estado Novo - e sua esposa, Dona Alice, uma pessoa muito amada e respeitada. Ele seria o diretor e ela a dirigente de ensino das classes que se instalariam - 3º e 4º anos. E as primeiras professoras eram moças de destaque na sociedade são-franciscana - Rosalice (filha do casal), Palmira (de tradicional família local) e a respeitada professora Juracy Sá. Com uma equipe dessa, os pais não tiveram dúvida, levaram seus filhos, com alegria e confiança àquela  escola.
            O projeto do Centro não se restringia apenas às aulas curriculares. Falamos em centro de treinamento e ele seria para formar jovens líderes rurais. Por isso, além das aulas, eram ensinados ofícios  voltados para o campo com objetivo de transformar o meio em todos os sentidos - aulas de construções rurais (pedreiro, carpinteiro), práticas agrícolas (horta, pomicultura, criação de pequenos animais) noções de puericultura, bordados, culinárias, enfermagem, música (coral e dança, com o que buscava integrar e inter-relacionar a cultura dos jovens oriundos do meio rural com a urbana e muito mais, sobretudo as atividades de socialização através dos grêmios. 

            Concluindo a quarta-série os alunos voltavam para o campo e lá é que a transformação acontecia. Quem deu testemunho disso foi o antigo pároco da paróquia de São José, padre Francisco, em suas desobrigas pelo meio rural. Ele dizia, em visitas às casas no meio rural: “aqui tem aluno da Escola Caio Martins” e acrescentava que era pelo aspecto da casa - limpa, com toalhas bordadas forrando as mesas, os potes cobertos, terreiro varrido e “casinha” no quintal.

            Curioso: o padre Francisco rodava o sertão em um  jipe Vemaguet com um alto-falante no teto tocando as músicas do coral dos meninos da Escola Caio Martins - ele amava a escola, como mais tarde aconteceu com os padres Vicente e Germano - o que fica para outro capítulo.

Capítulo V

         Os Centros de Treinamento de São Francisco e Januária foram uma experiência educacional e social fantástica e inédita. Não havia, naquela época, nenhum programa sócio-educacional que cumprisse aquele papel de transformar o homem do campo através da criança. Poderia parecer utópico, mas quem conheceu o funcionamento dessas escolas, os frutos colhidos ao longo de muitos e muitos anos, pode atestar como elas foram importantes para região. Sim, diga-se região, porque o seu atendimento não se restringia apenas aos municípios que as sediavam. No caso de São Francisco, muitos jovens - homens e mulheres - eram oriundos de municípios da região, especialmente Brasília de Minas, Ubaí e São Romão. Uma grande parcela vinha de uma região especial - Bonito e Urucuia - os Durães, Lisboa, Mata, cujos jovens, mais tarde se sobressaíram em vários campos profissionais: na Polícia Militar, na arte, magistério, e tantas outras.
O que se via no Centro de Treinamento de São Francisco poderia se dizer que era uma pequena extensão da escola-mãe, Esmeraldas,  com a implantação do coral, dos grêmios, das práticas esportiva e agrícola e a “síntese social”. Muitas canções trazidas de Esmeraldas, ensinadas por dona Márcia, esposa do coronel Almeida, foram a base do repertório do coro orfeônico da escola de São Francisco. Depois, como se diz, com o emprego da “síntese social”, a arte - danças e músicas -, os costumes - toda gama relacionada ao folclore: lendas, mitos, crendices, artesanato - vieram do campo, com as notícias das famílias dos alunos, para compor um universo que se formava. No CT de São Francisco (como também acontecia em Januária) tinha-se uma extensão do meio rural, com tudo que o compunha.
Outro fator importante, na formação dos jovens líderes rurais, foi a criação do grêmio, aqui denominado Grêmio Bandeirante Raimundo Santos, em homenagem a um jovem escoteiro, colaborador oriundo do Núcleo Colonial Vale do Carinhanha, na fundação do Núcleo Colonial Vale do Urucuia, que teve uma morte trágica, soterrado nas areias da praia do ribeirão da Conceição.Era um jovem admirável, cativante, muito trabalhador e cheio de compromissos. Esse grêmio foi importante na socialização dos alunos e na introdução de muitos deles no campo da música, da poesia e da oratória - quem não se lembra do Davi Lelis, genial declamador e orador. As sessões do grêmio chamavam atenção dos alunos, funcionários e de muita gente da cidade que vinha, nas manhãs de domingo, participar delas. Era muito grande a participação dos professores nas reuniões do grêmio: João Canaro, Silvano e Dirceu Lelis no violão; Vilma (minha esposa), Altamiro Queiroz,  João Calonge e Dona Helena, João Rego. Eu participava especialmente com as crônicas de Joviri (de João, Vilma e Ricardo, meu primogênito) que tanto empolgavam o Juca Narciso, assistente assíduo das reuniões. Tendo visitas importantes, sempre havia uma reunião especial para recebê-las. E era emocionante, no início delas, todos cantando, com muito garbo, alegria e impregnados de idealismo, o Hino à Escola Caio Martins letra de Saul Martins, e música de José Ferreira Silva: ‘‘Se da Pátria os anseios ouvis, se quereis uma infância feliz...”

Manoel Almeida tem muito, mas muito mesmo para ser sempre lembrado.

Capítulo VI

       Manoel Almeida iniciou a vida políticas em 1955, ocupando uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. No início de seu mandato ele se destacou como grande defensor da educação e dos ribeirinhos do vale do rio São Francisco, duas grandes fontes de preocupação e inspiração de sua vida. Lembro-me que quando ele foi eleito eu, aluno do curso normal de Esmeraldas, pouco entendia  de política, e muito menos me interessava por ela. A história foi outra, quando fui morar no Núcleo Colonial Vale do Urucuia, assentado no então município de São Romão. A partir de 1958 a minha visão sobre a política foi outra, mesmo porque eu vivia uma realidade social que contrastava com tudo o que eu, até então, conhecia – uma região esquecida, de um povo abandonado, sem quaisquer perspectivas, sem escolas, estradas, assistência médica e por aí afora. Foi quando Manoel Almeida pensou mais alto, considerando sua responsabilidade no atendimento de suas aspirações no campo da educação e atendimento do povo da região norte-mineira. Então eu, de forma indireta, participei da campanha. Fui designado para servir à Justiça Eleitoral na inscrição de eleitores em um território esquecido que correspondia a quase 90% do município de São Romão – do Riacho do Mato à Barra da Vaca (hoje Arinos), nas divisas com os municípios de João Pinheiro e Paracatu. Foram seis meses viajando no lombo de burros (era preciso dispor de uma pequena tropa). Para mim nada melhor, pois fiquei conhecedor, como ninguém, do universo urucuiano – físico e humano, o que resultou nos livros a Saga de um Urucuiano, Do Cerrado às Barrancas ao Rio São Francisco e, no prelo, Joaquina, uma lenda urucuiana. Então, eu já podia aquilatar que na Câmara dos Deputados, a voz do sertão urucuiano seria ouvida através de um barranqueiro patriota que ali teve assento em 1959 – Manoel Almeida.
Vamos por fase. Na transposição do deputado estadual para deputado federal implicou na mudança de Manoel Almeida e família para Brasília-DF, mas isso, infelizmente não foi tudo, pois em face de injunções políticas, mais tarde acirradas com a revolução militar, as Escolas Caio Martins haveriam de sofrer um transtorno muito grande afetando, de forma deletéria, a sua bela filosofia.
Primeiro, então, farei um registro de Manoel Almeida na Assembleia Legislativa. Não irei aprofundar, pois seu trabalho foi muito profícuo e benéfico para o vale. Podemos aquilatar pelo primeiro discurso que ele fez naquela Casa, no dia 5 de março de 1955 – um libelo em defesa da educação e do povo ribeirinho, uma antevisão do nosso futuro – o que amargamos ainda.
Ele disse: “Grande é a responsabilidade de quem fala nesta Casa pela mais pobre, mais abandonada, mais bela e das mais promissoras regiões do Estado – o Vale do São Francisco. Há mais de trinta anos, quando no Parlamento mineiro pontificou o ilustre conterrâneo dr. Claudemiro Ferreira, não têm as cidades banhadas pelo terço  médio superior do grande rio, um representante, genuinamente seu, em qualquer das Câmaras do País. Destarte,  trago para a tribuna, não apenas as responsabilidades dos compromissos eleitorais que todos temos para com aqueles que nos depositaram confiança, mas minha própria vida, que se transporta para esta Assembleia e, com ela a história e a vida de uma região e de um povo, no vale lançado, há mais de dois séculos – com linhas avançadas da batalhas das civilização – e ali deixado entregue à própria sorte...”

Retrato que o tempo não mudou!

Capítulo VII

     Manoel Almeida, como parlamentar na esfera estadual, foi um ferrenho e veemente defensor dos interesses da região Norte-Mineira, atuando em diversos setores quem poderia alavancar o desenvolvimento da região, proporcionar mais possibilidades de trabalho para o seu povo e a melhoria social.
A sua participação foi decisiva na construção da barragem de Três Marias, o que o levou a fazer vários pronunciamentos na tribuna da Casa e a trabalhar nos bastidores do governo para demonstrar a importância de Três Marias para o Noroeste e Norte de Minas, uma região carente de condições para impulsionar o seu progresso, entre eles a eletricidade. Na luta pela construção de Três Marias, ele teve que enfrentar grupos poderosos que davam preferência à construção de Furnas. Ainda no ramo da eletricidade, Manoel Almeida teve papel muito importante na construção da Usina de Pandeiros que foi tão importante para os municípios de Januária e São Francisco.
Quanto à barragem de Três Marias ele pode, enfim, rejubilar-se na tribunal da Assembleia (20.9.1955) anunciando o início da construção da barragem: “15 do corrente foi um dia de festas para São Francisco (vale). Como é do conhecimento público, em cerimônia simples, mais significativa, a que estiveram presentes o presidente da República, o Governador do Estado, Senadores, Deputados Federais e Estaduais, deu-se início oficial, nesta data, às obras de construção da barragem de Três Marias”.
Foi destacado o seu trabalho junto ao DER visando o andamento da construção da estrada de Montes Claros a Januária, importante via de comunicação terrestre para todo o Norte de Minas que, através de ramais, serviria a Brasília de Minas e São Francisco e, mais na frente, indo até a divisa com o estado da Bahia, como se tem, hoje.
Àquele tempo Manoel Almeida também se preocupava muito com a questão do transporte na região e, com forte argumentação, defendia o transporte hidroviário, considerando que à época tudo passava pelo rio São Francisco. Através da Indicação nº 210 ele recomendou encaminhar ao Presidente da República pedido de providências para dar andamento ao Projeto que transitava no Congresso Nacional que recomendava  a constituição de uma comissão mista para a exploração do transporte do Rio São Francisco. A justificação dada na Indicação foi uma defesa apaixonada e realista de nossa região.
Malgrado a preocupação e esforço de Manoel Almeida, o governo priorizou o transporte rodoviário que, nos dias atuais, é um problema para o País. O discurso de Manoel Almeida apresentando esta indicação se deu no dia 5.6.1955. Nada foi feito no sentido de implantar o projeto que, agora,  58 anos depois, volta a ser cogitado pelo governo. Ironia: logo agora que o São Francisco morre à míngua de água.

Não se descuidou da educação. Manoel Almeida, enquanto deputado estadual, sempre esteve atento às questões ligadas à educação, muito especialmente às Escolas Caio Martins, que se ramificou de Esmeraldas, à beira do Paraopeba, a todo vale mineiro do Rio São Francisco.

Capítulo VIII

        Manoel Almeida deu um salto em sua vida parlamentar deixando a Assembleia Legislativa para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados, então no Rio de Janeiro. A sua esfera de atuação seria  outra., naturalmente com maior projeção. No primeiro ano de mandato, em 1959, ele já demonstrou a sua imensa preocupação com os interesses mineiros, sobretudo da região do Norte de Minas. Ocupando-se de assuntos e projetos da maior relevância com memoráveis discursos, todos bem acolhidos por seus pares, tais como:
Reforma Agrária, mostrando sua grande preocupação com os problemas enfrentados pelo homem do campo, principalmente aqueles que não tinham uma gleba para trabalhar. Nesta linha, ele discorreu sobre a inclusão da juventude na reforma agrária, sugerindo a implantação de Fazendas-Escolas, atendendo a base da pirâmide social no campo, onde o jovem aprenderia fazendo, “não é uma escola onde se vão aprender cousas sobre a vida rural; é uma fazenda onde se vai  viver a vida rural. E vivê-la dentro de um novo espírito, de novas técnicas e com novos  ideais”
Preocupou-se e fez defesa da implantação do Serviço Social Rural para levar mais recursos para o homem do campo, demonstrando a viabilidade em virtude de seu vasto conhecimento na área.
Outra batalha que Manoel Almeida enfrentou e teve grande sucesso, foi a inclusão de região norte-mineira no polígono da seca e, consequentemente na área da Sudene demonstrando que o Norte de Minas guardava as mesmas características de regiões amparadas, no Nordeste. Depois, ele batalhou muito e conseguiu incluir os municípios de São Francisco, Januária e Manga na área da Sudene – uma grande conquista, sem dúvida.
Outro grande feito de Manoel Almeida foi a instalação do Colégio Agrícola de Januária- federal, hoje uma escola superior ampliada, com diversos cursos, da maior importância regional.
Manoel Almeida não se descuidou da educação. A sua experiência neste campo o levou a assumir o cargo de relator da Comissão Parlamentar de Inquérito do Menor cabendo-lhe apresentar o precioso e profundo relatório final: ''Realidade Brasileira do Menor” – um retrato fiel e vivo da situação do menor no País.
Manoel Almeida esteve na Câmara dos Deputados de 1959 a 1978, período muito proveitoso para a nossa região, sempre merecendo a atenção dele. Não foi tão bom para as Escolas Caio Martins, pois com a Revolução Militar de 1962, em virtude de sua grande amizade com o ex-presidente  Juscelino, ele caiu na mira dos militares e de governantes que não souberam dar valor ao seu trabalho em prol do Brasil. Sobrou, com isso, para a sua querida Escola da qual ele teve que se desvincular. Como o mundo dá muitas voltas, ele voltou.

É outra história da saga vitoriosa deste patriota..

Capítulo IX

       Com a transferência do Congresso Nacional para Brasília, como deputado federal Manoel Almeida lá se instalou com a família. Assim, desde a  implantação da nova capital ele viveu intensamente a sua consolidação, com todos os percalços e idiossincrasia de políticos que queriam o retorno da capital para o Rio de Janeiro, nas delícias de Copacabana. No livro que estamos focando, encontramos registrada uma entrevista que ele concedeu ao antropólogo Gustavo Lins Ribeiro, que traz ricos e importantes detalhes sobre a implantação e os primeiros anos de Brasília (o livro está disponível na biblioteca municipal, Dr. Geraldo Ribas). Vale a pena ler para conhecer mais do nosso País em capítulos contados por um grande brasileiro.
Eu disse que a proximidade de Manoel Almeida com o presidente Juscelino, ambos do antigo PSD, colocou-o em confronto com uma dura realidade – deixar a orientação das Escolas Caio Martins, o que ele teve que aceitar para que o destino dela não fosse mais prejudicial. As Escolas foram transformadas, então, em unidades da Polícia Militar – da presidência (extinguindo-se o Conselho Diretor) até às diretorias de unidades, que passaram a ser ocupadas por oficiais (Esmeraldas e Buritizeiro) e sargentos, Núcleos do Urucuia e do Carinhanha.  Não houve alteração nos dois Centros de Treinamento – São Francisco e Januária – onde permaneceram nas diretorias eu, em São Francisco, e Elzita Gasparino, em Januária. Sentimos profundamente o afastamento físico do criador das escolas, mas conseguimos, por força do ideal, mantê-lo em espírito em nosso meio. Foi um período longo que experimentamos com a ausência dele frente às escolas mas, felizmente, encontramos apoio e muita ajuda da PMMG, desde o comandante geral, Coronel José Geraldo, no primeiro período e, depois, pelo comandante geral coronel José Ortiga, um são-franciscano. Igualmente não nos faltou apoio dos sucessivos  presidentes da instituição – major Duarte, coronel Saul Martins (um caiomartiniano de cepa) e coronel Leonel. Mantivemos acesa a chama do ideal e nossos centros não sofreram qualquer problema na realização do seu trabalho programático. Faltava-nos, contudo, a palavra do pai da instituição, palavra que estimulava, dava força e abria caminhos.
Em 1974 tudo mudou, através da Lei nº 6.514 as Escolas Caio Martins foram transformadas em Fundação e o coronel Almeida foi alçado ao posto de conselheiro honorário e vitalício e, assim, ele voltou a se fazer presente para nossa alegria.

As escolas Caio Martins passaram, então, à uma nova fase – e muito importante – com a roupagem de Fundação. Mais recursos, mais atenção e novos projetos com o olhar no futuro.

Capítulo Final

Fundação Educacional Caio Martins, um grande salto na histórias das Escolas fundadas por Manoel Almeida e marco de sua volta triunfal à frente da obra que fora a razão maior de sua vida. Ele voltou com trunfos maiores ainda, pois ao instalar a fundação, nela ele contemplou, com alegria tanta, que em seu comando estavam ex-alunos da instituição – da diretoria geral, com diversos cargos, à direção das unidades. Manoel Almeida implantou, com a fundação, avançou e revolucionou com novo sistema de educação: o Centro Integrado que, instalado em Esmeraldas, em pouco tempo já despertava atenção transformando-se em campo educacional de visitação de representantes de escolas estaduais e federais, correlatas ou não ao que ali fora implantado. Alunos, do ensino primário (hoje fundamental) a dois cursos profissionalizantes – magistério e técnico em agropecuária-, eram integrados em atividades comuns que abrangiam todos os campos de formação – ensino, social, cultural, moral e de cidadania. Era admirável como funcionava o processo, com os alunos movimentando e dando vida à escola com entusiasmo, alegria e aproveitamento formidável através de projetos integrados - agrícolas e educação e saúde. Via-se, ainda, a efetiva e carinhosa participação dos  professores e dedicação dos chefes de lares e de setores, todos como uma grande família, fazendo girar um sistema nunca antes visto, sorvendo a escola em todos os momentos, como alimento para sua vida.
Uma fase áurea e o nome de Caio Martins resplandecia, deixava Esmeraldas e voava pelas Minas Gerais, atraindo atenções em todos os quadrantes. Nas unidades plantadas no vale do São Francisco o trabalho também era profícuo e muito importante para a região, formando centenas de jovens líderes rurais que promoveram uma revolução de costumes e de trabalho em suas comunidades. Via-se o que dizia Manoel Almeida: “transformar o homem do campo através da criança”. Quem antes avançara tanto em um projeto educacional  e social dessa natureza? Não há registro. Vê-se, hodiernamente, um projeto nesta linha desenvolvido pela Escola Família Agrícola - Caritas e prefeituras - que vai ao campo buscar os jovens, preparando-os com um bom programa, para devolvê-los ao meio com uma nova visão. Estanca-se, de certa forma, o êxodo rural e promove o meio.
Um dia aconteceu – o sonho desvaneceu. Não poderia ser assim, pois a Fundação Educacional Caio Martins já se transformara em um patrimônio de Minas Gerais. Nós – caiomartinianos, barranqueiros e brasileiros – pensávamos assim. Pensávamos como bons patriotas para depois, quedando-se na realidade, com tristeza, ver que em nosso País o que é bom e que não é atrelado a programas de políticos, sempre sofre retrocesso. O país parece que anda para trás, só tem a marcha ré, na sua descontinuidade de programas educacionais e sociais, conquanto governantes apregoam diferentemente dizendo que o céu é sempre azul. Aconteceu. Com a morte do coronel Almeida, em 1988, a bandeira caiomartiniana foi hasteada a meio pau e nunca mais foi ao pico do mastro. Pelo contrário, com o passar dos anos ela foi sendo arriada, sem hinos e louvores, descendo, descendo, descendo ao nível do solo sagrado. E o vigoroso hino, o chamado, leve sussurro quase se faz um eco: “Se da Pátria os anseios ouvis,/ Se quereis uma infância feliz,/ Com vigor trabalhai este chão;/ Este solo é também o de Caio,/ Escoteiros, amigos, amai-o,/ Pois do solo teremos o pão” (cantou Saul Martins, de bom memória)
Os últimos governantes – inclua-se no rol parlamentares – não tiveram sensibilidade e olhares para enxergar importância das Escolas Caio Martins para o nosso País. Eles terão seus nomes da história da instituição, quando fechadas as suas portas, e dela para o Brasil, pelo desserviço prestado à educação, à juventude, ao homem do campo, ao País.
Tenho notícias de como andam mal as escolas – ou não andam. Não posso falar sobre elas, de longe. Falo, no entanto, da nossa querida escola de São Francisco, cujo cenário físico e humano causa consternação. Reduzido número de alunos, mestres e servidores agarrados a um ideal querendo ultrapassar barreiras, mas de repente, o que se vê é um exército de Brancaleone. Ainda carregam o orgulho caiomartiniano como guerreiros que retornam de uma batalha, acreditando que ainda podem vencer a guerra. Não podem, pois a cada dia o comando (governo) corta-lhes os suprimentos, não lhes dá a sustentação, a motivação, o apoio logístico e esperança. E o campo vai se tornando deserto... Uma imagem de abandono.
Nesta tristeza tão profunda, só posso elevar o pensamento na tentativa de encontrar o querido coronel Almeida, com o escoteiro Caio Martins e outras crianças, com uma palavra de consolo e reconhecimento que nada pode obscurecer, nem os maus governantes, insensíveis: você semeou através de suas palavras, exemplos, do seu grande e luminoso ideal e tudo que ensinou às suas crianças e jovens, se reproduz. Você pode ver, do alto, jardins floridos, campos e prados perfumados, amplas planícies e matas verdejantes, e entudo você verá caiomartinianos trabalhando com amor e responsabilidade, cidadãos cônscios de seus deveres para com a Pátria e a sociedade, como você pedia, construindo um Brasil grandioso.

Manoel Almeida, você foi um semeador e sua abençoada seara tem  produzido bons e sagrados frutos. Obrigado.

João Naves de Melo

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

        Flores da orla do Rio São Francisco        


Buquê de Caraibinha Branca

Caraibinha - flores maduras

Caraibinha - flores maduras

Caraibinha Branca

Caraibinha Branca

Caraibinha Branca

Caraibinha Branca

Pajeú

Pajeú

Pajeú

             Agosto chegou e, com ele a primeira florada do sertão. Aqui e ali, o ipê explodindo em amarelo ouro; noutras bandas, o roxo da sucupira preta. A natureza vai se transformando meio à sequidão, refrigério para a falta de chuva. Tempo de florir, é tempo de florir.
            Gosto, de maneira muito especial, do passeio pela orla. No trecho que vai da Praça dos Pescadores até a Praça da Matriz, de um lado e de outro da avenida, floresceu a caraibinha branca. A brisa que vem do rio, balança as suas flores que parecem flocos de neve, de tão brancos, e um suave e tão doce perfume invade o ar. Agraciado o caminheiro que passa por aquele corredor ao nascer do sol. Rio plácido, dormindo; brisa suave, o céu se vestindo de rubro e dourado, no esbater das cores que sobem da nascente com o sol e se espalham pelo universo. 
            Dias passados, a copa da caraibinha vai transmudando – as brancas e perfumadas flores vão ganhando um suave tom marrom e se desapegam das pencas como delicadas hélices, virando brinquedo de criança. Hélices sim, para ir longe ao sabor do vento, levando sua linhagem.
            Salteando os pés de caraibinhas vê-se o florir do pajeú, filho das barrancas. Flores em cachos, verde-verdinhas. Não são perfumadas, porém muito lindas, porque cobrem  toda a copa da árvore como um manto. Com o passar dos dias, elas vão perdendo o verde para se fazerem vermelhas, que ficam por tempo, até que se desprendem dos galhos para forrar o chão meio à relva das barrancas. Assim é por vida centenária.
            A orla pode não ter o glamour, o encanto/tanto, das cerejeiras do Japão quando florescem e atraem os olhares do mundo; nem as flores de maio de Nova York e, por aqui, nem tanto como o encanto das flores vivas das paineiras de Belo Horizonte, mas elas são diferentes. Aqui, nossa caraibinha e pajeú, são alimentadas pelas águas do São Francisco. Suas raízes bebem n os veios d´água que minam do sagrado rio – é água especial. Depois, são sopradas, todas as manhãs, pela brisa que passa pelo lençol do rio e sobe ao céu com suas mensagens. É uma magia.
            São, para os meus olhos, as flores mais belas e perfumadas do mundo, porque as vejo com o coração.
            Estou vivendo esses momentos de magia, de encanto, da simbiótica relação rio-flores-árvores e, no meio lá vou eu usufruindo tudo o que Deus nos deu.
            Sim, daqui a pouco, não muitos dias além, veremos o vestir-se do tamboril. Hoje galhos limpos, secos, estendidos ao céu. Breve será coberto de folhinhas de verde diáfano até se forrar de vez na sua exuberância com o verde sumo.
            É a magia da nossa orla. É a dádiva do nosso São Francisco, judiado, mas tão lindo.
            Francisco, do Francisco e, agora, mais Francisco - como pode barranqueiro viver longe do seu rio?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

AS ROLINHAS




            As rolinhas (galinhazinha de Nossa Senhora) foram mencionadas numa crônica em que falei sobre a andorinha da cabeça azul, companheira de travessia do Rio São Francisco na balsa. Lembrei alguns comportamentos delas – sua mansidão, arrulhos, jeitinho de paz e como são carinhosas no juntar de um casal – são tantas as carícias com os biquinhos. Pois é, nesta semana em nova passagem pela lancha lá encontrei, como de costume, a andorinha. Voou serelepe, leve, ligeira, no alto e no baixo, raspando na água do rio e, depois de muitas peripécias, o pouso no mesmo cabo de aço. Falei das manobras dela, de suas viagens de carona no cabo de aço da lancha – ali sem quase ser notada, mas a todos observando com modo tão meigo. Alguém, desconfiado de minha história, foi conferir. Que bom! A andorinha não falhou, compareceu.

            Chegando ao meu destino, enquanto aguardava o momento de dar início ao trabalho para o qual fora convocado, sentado em um dos bancos de uma bela Praça de Pintópolis, espichando os olhos para mais além, quase querendo tudo gravar, eis que, na fiação da rua, placidamente, num majestoso namoro, deparo com um casal de rolinhas. Tudo que falei naquela crônica, por lembranças da era de menino travesso, brincando em lotes baldios, então se mostrou diante de meus olhos de homem feito. Elas vigiavam a cidade, lá do alto, como só elas existissem, sem se importar com nada. Cabecinha balançando de um lado para o outro, mas de modo majestoso, suave. E, de quando em quando, enroscavam-se com os pescocinhos. Dava para perceber as bicadinhas que o macho (penso que seria o macho, pois é o que mais toma iniciativa, no caso dos humanos) dava na fêmea, levantando, de leve, a pluma.

            O casal ficou lá no alto por bom tempo – o suficiente para que eu pudesse gravar a cena com minha Canon.

            Mais uma tarde de felicidade vinda do mundo animal, mais propriamente das aves. Meu tempo foi recompensado, na esticada além de São Francisco.

            Arrematando, na travessia de volta, já com o sol caindo sobre as matas além, tingindo o rio de múltiplas cores, pintando aqueles quadros que nossos olhos não cansam de admirar e que fazem a maior riqueza visual de nossa terra (o pôr do sol), no lusco-fusco, como dizia Kafunga, contemplei um casal descendo, quase de toa, o rio. Pressa não havia, nem precisava, pois o momento era de magia só, tanta paz. E de especial debaixo vinha de um grande guarda-sol que está voltando à moda aqui no cáustico sertão.

A  ANDORINHA



            É comum, agradavelmente repetitivo, ter na travessia de balsa no Rio São Francisco, a companhia graciosa de uma andorinha, invariavelmente pousada numa extensão de cabo de aço que prende a rampa de frente da embarcação. Cabecinha como a safira, capa negra reluzente como o azulão e o peitoral alvo, puro. Pousada fica por bom tempo, como a assuntar os passageiros, que, invariavelmente, não a percebiam ou se interessavam em sondar o porquê de sua constância no viajar de carona na lancha, esbanjando beleza. Pouco se davam por ela e, por isso, não acompanhavam a sua manha: de um tempo passado, ela voa, ganha o alto e dá vários rasantes lambendo a lâmina d´água do rio, quase a beijando, e depois, vai pegar carona na balsa que vem em travessia contrária. É o balé de todos os dias, observou uma barqueiro da lancha. Dos tantos que sondei sobre o belo passarinho, foi ele o único a dar notícia que também reparava no que ele fazia. Gente despercebida, os tantos outros que todos os dias estavam lá balsa de ida e vinda, quase tocando o cabo de aço onde se equilibra aquela formosura. De perguntar em perguntar, chamando a atenção de alguns passageiros para o passarinho, ninguém o nome soube me dizer. E minha curiosidade crescia, a cada viagem feita, sempre na frente da balsa para ter a companhia do belo pássaro. Aí, um dia, veio a resposta – do barqueiro que dos hábitos dele conhecia me informou: é uma andorinha.


            Bem, andorinha eu conheço, nunca naquelas cores tão belas. Sempre as via cortando os ares em duas cores somente – preto e branco. Menino eu as admirava. Creio que do meu conhecimento foram elas e as rolinhas, dos passarinhos, as primeiras dadas ao meu conhecer, ainda menininho, pelas ruas de minha terra. As andorinhas eu contava em fila nos fios da iluminação pública ou em vôos velozes como avião. Havia as pequenas, serelepes e as maiores, que muito nos chamava atenção porque tinham o rabo bipartindo, conhecidas, pois, como andorinha-tesoura. Eram maiores, porém graciosas.

            As rolinhas muito gostava, porque serenas se equilibravam nos galhos das mamoneiras do lote baldio onde com meus colegas eu brincava de Tarzan. Elas eram personagens do nosso mundo encantado. Sossegadas de Deus ter. Não se importavam muito com a gente. Agradava-me o canto delas - umas chamando as outras. Mais tarde, poeticamente fiquei sabendo tratar-se de arrulhos amorosos. E era, pois de comum era visto um casalzinho trocando carícias com os biquinhos delicadamente roçando o pescoço e as cabecinhas, uma da outra. Nunca gostei de jogar pedras em passarinhos. Qualquer que fosse, mas as rolinhas então, nem pensar, pois minha mãe dizia que elas era galinhazinhas de Nossa Senhora.

            De olho embevecido naquela andorinha singela, bela, solitária, mas graciosamente imponente, voei sertão adentro e fui esbarrar em Diadorim, numa praia do rio Paredão, declarando seu encanto por um passarinho, o Manuelzinho-da-Crôa: “ é preciso olhar para esses com todo carinho”.

            Pois é, passarinho está em toda parte, melhor quando está em nosso coração, evocando lembranças.

terça-feira, 14 de maio de 2013


MENSAGEIROS DA EMOÇÃO NO LANÇAMENTO DO LIVRO “DO CERRADO ÀS BARRANCAS DO SÃO FRANCISCO”




Nesta noite nós vamos falar sobre um livro:


GUI: Do Cerrado às barrancas do São Francisco.


JACINTA: De autoria do nosso companheiro João Naves, com participação gráfica de Dirceu Lelis de Moura e diagramação de Bia e Jonas. Eis o belo trabalho, arrematado pela gráfica Santo Antônio. Aplausos para eles, amigos.

BEATRIZ: “Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível vendê-los? Essa idéia me parece estranha. Somos parte da terra e ela é parte de nós. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas Campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família. Tudo o que acontecer com a terra acontecerá com os filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isso sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra”.


JACINTA: Assim começa o livro, falando do respeito de um índio pela terra. Nós também respeitamos a terra e muito especial cantamos o nosso Brasil.


CANÇÃO: MINHA TERRA


ZENINHA: Disse Domingos Diniz sobre o livro:




JACINTA: SER TÃO SEM cercas nem porteiras. Vastas terras que não acabam mais, cortadas por morros e morrotes. Banhadas por lagoas e veredas, veredinhas e veredões de buritizais que se perdem de vista. Lá onde os córregos e rios nascem e vão engrossar as águas do São Francisco. Os gerais de terra frouxa, onde a anta sapateira deixa vivas suas pegadas e bandos de emas se esporeiam com os próprios ferrões que trazem debaixo das asas, para correrem mais e mais nas campinas. Ao meio-dia com o sol quente, nos roçados, enquanto o sertanejo planta o milho, pássaros-pretos, nas grimpas das aroeiras, cantam “enfincam, enfincam, enfincam / arranco, arranco, arranco”.

SEM SER TÃO pobre o mundo do sertanejo, que trabalha na sua roça de milho, mandioca e cana. Cuida da família e toca viola, nas noites de lua, sentado no batente da porta da casa.


CANÇÃO: LUAR DO SERTÃO


JACINTA: Cerrado, veredas, rios, chapadões, cais... um caminhar pelo universo físico de Guimarães Rosa sem fim.


GUI: “Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.




BEATRIZ: “O Urucuia vem de montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeira de grossura, até virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho”.

GUILHERME: “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões...”


ZENINHA: “O sertão está em toda parte”.

JACINTA: É donde canta apaixonado o sertanejo:


MÚSICA DE FOLIA DE REIS (GUAIANO) -NAMOREI UMA BAIANA


JACINTA: O nosso cerrado é de riquezas em coisas, bichos e gente. Do bravo sertanejo, do cantar de Euclides da Cunha, um forte antes de tudo, tem também seus tipos tão especiais. Rochinha, Zé Berto, nosso Barão de Munchasen, Pinico Seriema, Quelé. No seu jeito, lembramos, aqui dois deles.


ZENINHA: - Oi. Tibúrcio, quantas horas?


JACINTA: Sem relógio, ele olhava para o sol e dizia, sem nunca errar: -


GUILHERME: Duas horas e quinze minutos.


JACINTA: A sua manha foi descoberta: de quando em quando ele se informava das horas e, aí aprendeu bem calcular. Por isso não errava nunca.


             José Saraiva Durães, o nosso Zé Bambu, hoje no Lar dos idosos, beirando cem anos com toda saúde. Quando mais jovem, no acompanhar das folias pelas trilhas do sertão, ele cantava apaixonado:


MÚSICA DE FOLIA DE REIS (QUATRO): MINHA NAMORATE TEM A PELE FINA...



JACINTA: Cerrado das belas flores: em junho o pequi, em julho a sambaíba, conhecida mais como lixeira, em agosto a caraibinha toda amarela ou as copas da sucupira-preta vestida de roxa. Ali, o sertanejo tece, com o branco da sambaiba, o amarelo da caraibinha, e o verde da copa da piuna, no azul profundo do céu sertanejo, tem a bandeira do Brasil. E de delicadeza, ele tem a ciganinha, cantada, com sensibilidade tanta, por Saul Martins:





MENINA GABRIELA POESIA FLORES DO CAMPO


JACINTA: Tem uma passagem escrita pelos relatos de Rui Mendonça, Leão e João Quexedé, é a riqueza de nossa fauna. Tem bichos e tem histórias passadas, como no casos de Marciano Moreira com as onças.


MÚSICA - MODA DA ONÇA


BEATRIZ: Ainda pelas bandas do cerrado, a narração escorrega pelo pagos de Serra das Araras e retrata a lenda do Santo Antônio sua fuga da igreja chique da cidade para seu ranchinho na Serra das Araras. Dó de se ver aquele santinho na trilha arenosa batendo a precatinha.


JACINTA - chap... chap... chap. chap... chap... chap.


BEATRIZ: E, passados os anos, a Serra ganhou fama e música que todo serrano canta apaixonado.


MÚSICA: ADEUS SERRA DAS ARARAS


JACINTA: E saltando o rio, o livro retrata o de ser da mata seca, não de tanta beleza no inverno, mas exuberante, quando chove - aroeira, imburana, mamoninha, tamboril, angicos e o sagrado umbu.

Do lado de cá tem serra onde o caboclo apaixonado pode cunhar com a ponta da faca o nome da mulher amada.


MÚSICA: NO ALTO DAQUELA SERRA....


JACINTA: É de cá que os escritos falam de Adão Barbeiro, Mestres Minervino e Nego de Venança, sai cantando com os foliões que alegram as noites natalinas e repetem, a cada ano, histórias que o tempo gravou. As danças animadas - lundu, quatro, catira.


DANÇA: CATIRA - DANÇA


JACINTA: Em São Francisco, no ciclo natalino, ao cair da noite alteiam-se as vozes e o tan-tan das caixas nas pontas das ruas. Aparece animado cortejo, com a meninada explodindo em alegria, desafiando a população: todo mundo me dizia que meu boi não saia... e chegava para provar


AUTO - BOI-DE-REIS


JACINTA: Chega por fim para bebericar nas águas do São Francisco, o sagrado São Francisco. Agradecido Senhor Deus por nos ter dado tão maravilhoso rio e com ele a doce lembrança de um santo amoroso das águas e dos bichos, São Francisco.



MENINA MARINA - POEMA NA MINHA TERRA PASSA UM RIO


JACINTA: Antes de nossa descida às barrancas, vamos fazer um registro que é de propriedade tanta – no seu significativo e por ser de grande coincidência de acontecer nesta data o lançamento do livro sertão: hoje é o Dia do Sertanejo. Êta sô!


             E na hora de agradecer, no encontro com o Criador, é nas águas douradas do rio, pincelada pelos raios do sol, que o homem descansa e se reencontra com a paz.


CANÇÃO - GREENFIELDS

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quarta-feira, 6 de março de 2013

Visita


           Abro a porta do meu blog, festejando emocionado, a minha netinha Marina Naves, que aos 13 anos tem se revelado uma admirável escritora e poeta, com excelentes trabalhos. Sobra tempo, ainda, para o violão, que já domina com muita graça.

           Por fim, festejo outro fato: ela é, também, apaixonada pelo Rio São Francisco.

           Este poema - A Agonia, é uma bela e tocante amostra.

           Não sou um avô coruja; sou um avô feliz!



           Março 2013