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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

        Flores da orla do Rio São Francisco        


Buquê de Caraibinha Branca

Caraibinha - flores maduras

Caraibinha - flores maduras

Caraibinha Branca

Caraibinha Branca

Caraibinha Branca

Caraibinha Branca

Pajeú

Pajeú

Pajeú

             Agosto chegou e, com ele a primeira florada do sertão. Aqui e ali, o ipê explodindo em amarelo ouro; noutras bandas, o roxo da sucupira preta. A natureza vai se transformando meio à sequidão, refrigério para a falta de chuva. Tempo de florir, é tempo de florir.
            Gosto, de maneira muito especial, do passeio pela orla. No trecho que vai da Praça dos Pescadores até a Praça da Matriz, de um lado e de outro da avenida, floresceu a caraibinha branca. A brisa que vem do rio, balança as suas flores que parecem flocos de neve, de tão brancos, e um suave e tão doce perfume invade o ar. Agraciado o caminheiro que passa por aquele corredor ao nascer do sol. Rio plácido, dormindo; brisa suave, o céu se vestindo de rubro e dourado, no esbater das cores que sobem da nascente com o sol e se espalham pelo universo. 
            Dias passados, a copa da caraibinha vai transmudando – as brancas e perfumadas flores vão ganhando um suave tom marrom e se desapegam das pencas como delicadas hélices, virando brinquedo de criança. Hélices sim, para ir longe ao sabor do vento, levando sua linhagem.
            Salteando os pés de caraibinhas vê-se o florir do pajeú, filho das barrancas. Flores em cachos, verde-verdinhas. Não são perfumadas, porém muito lindas, porque cobrem  toda a copa da árvore como um manto. Com o passar dos dias, elas vão perdendo o verde para se fazerem vermelhas, que ficam por tempo, até que se desprendem dos galhos para forrar o chão meio à relva das barrancas. Assim é por vida centenária.
            A orla pode não ter o glamour, o encanto/tanto, das cerejeiras do Japão quando florescem e atraem os olhares do mundo; nem as flores de maio de Nova York e, por aqui, nem tanto como o encanto das flores vivas das paineiras de Belo Horizonte, mas elas são diferentes. Aqui, nossa caraibinha e pajeú, são alimentadas pelas águas do São Francisco. Suas raízes bebem n os veios d´água que minam do sagrado rio – é água especial. Depois, são sopradas, todas as manhãs, pela brisa que passa pelo lençol do rio e sobe ao céu com suas mensagens. É uma magia.
            São, para os meus olhos, as flores mais belas e perfumadas do mundo, porque as vejo com o coração.
            Estou vivendo esses momentos de magia, de encanto, da simbiótica relação rio-flores-árvores e, no meio lá vou eu usufruindo tudo o que Deus nos deu.
            Sim, daqui a pouco, não muitos dias além, veremos o vestir-se do tamboril. Hoje galhos limpos, secos, estendidos ao céu. Breve será coberto de folhinhas de verde diáfano até se forrar de vez na sua exuberância com o verde sumo.
            É a magia da nossa orla. É a dádiva do nosso São Francisco, judiado, mas tão lindo.
            Francisco, do Francisco e, agora, mais Francisco - como pode barranqueiro viver longe do seu rio?

segunda-feira, 10 de junho de 2013

AS ROLINHAS




            As rolinhas (galinhazinha de Nossa Senhora) foram mencionadas numa crônica em que falei sobre a andorinha da cabeça azul, companheira de travessia do Rio São Francisco na balsa. Lembrei alguns comportamentos delas – sua mansidão, arrulhos, jeitinho de paz e como são carinhosas no juntar de um casal – são tantas as carícias com os biquinhos. Pois é, nesta semana em nova passagem pela lancha lá encontrei, como de costume, a andorinha. Voou serelepe, leve, ligeira, no alto e no baixo, raspando na água do rio e, depois de muitas peripécias, o pouso no mesmo cabo de aço. Falei das manobras dela, de suas viagens de carona no cabo de aço da lancha – ali sem quase ser notada, mas a todos observando com modo tão meigo. Alguém, desconfiado de minha história, foi conferir. Que bom! A andorinha não falhou, compareceu.

            Chegando ao meu destino, enquanto aguardava o momento de dar início ao trabalho para o qual fora convocado, sentado em um dos bancos de uma bela Praça de Pintópolis, espichando os olhos para mais além, quase querendo tudo gravar, eis que, na fiação da rua, placidamente, num majestoso namoro, deparo com um casal de rolinhas. Tudo que falei naquela crônica, por lembranças da era de menino travesso, brincando em lotes baldios, então se mostrou diante de meus olhos de homem feito. Elas vigiavam a cidade, lá do alto, como só elas existissem, sem se importar com nada. Cabecinha balançando de um lado para o outro, mas de modo majestoso, suave. E, de quando em quando, enroscavam-se com os pescocinhos. Dava para perceber as bicadinhas que o macho (penso que seria o macho, pois é o que mais toma iniciativa, no caso dos humanos) dava na fêmea, levantando, de leve, a pluma.

            O casal ficou lá no alto por bom tempo – o suficiente para que eu pudesse gravar a cena com minha Canon.

            Mais uma tarde de felicidade vinda do mundo animal, mais propriamente das aves. Meu tempo foi recompensado, na esticada além de São Francisco.

            Arrematando, na travessia de volta, já com o sol caindo sobre as matas além, tingindo o rio de múltiplas cores, pintando aqueles quadros que nossos olhos não cansam de admirar e que fazem a maior riqueza visual de nossa terra (o pôr do sol), no lusco-fusco, como dizia Kafunga, contemplei um casal descendo, quase de toa, o rio. Pressa não havia, nem precisava, pois o momento era de magia só, tanta paz. E de especial debaixo vinha de um grande guarda-sol que está voltando à moda aqui no cáustico sertão.

A  ANDORINHA



            É comum, agradavelmente repetitivo, ter na travessia de balsa no Rio São Francisco, a companhia graciosa de uma andorinha, invariavelmente pousada numa extensão de cabo de aço que prende a rampa de frente da embarcação. Cabecinha como a safira, capa negra reluzente como o azulão e o peitoral alvo, puro. Pousada fica por bom tempo, como a assuntar os passageiros, que, invariavelmente, não a percebiam ou se interessavam em sondar o porquê de sua constância no viajar de carona na lancha, esbanjando beleza. Pouco se davam por ela e, por isso, não acompanhavam a sua manha: de um tempo passado, ela voa, ganha o alto e dá vários rasantes lambendo a lâmina d´água do rio, quase a beijando, e depois, vai pegar carona na balsa que vem em travessia contrária. É o balé de todos os dias, observou uma barqueiro da lancha. Dos tantos que sondei sobre o belo passarinho, foi ele o único a dar notícia que também reparava no que ele fazia. Gente despercebida, os tantos outros que todos os dias estavam lá balsa de ida e vinda, quase tocando o cabo de aço onde se equilibra aquela formosura. De perguntar em perguntar, chamando a atenção de alguns passageiros para o passarinho, ninguém o nome soube me dizer. E minha curiosidade crescia, a cada viagem feita, sempre na frente da balsa para ter a companhia do belo pássaro. Aí, um dia, veio a resposta – do barqueiro que dos hábitos dele conhecia me informou: é uma andorinha.


            Bem, andorinha eu conheço, nunca naquelas cores tão belas. Sempre as via cortando os ares em duas cores somente – preto e branco. Menino eu as admirava. Creio que do meu conhecimento foram elas e as rolinhas, dos passarinhos, as primeiras dadas ao meu conhecer, ainda menininho, pelas ruas de minha terra. As andorinhas eu contava em fila nos fios da iluminação pública ou em vôos velozes como avião. Havia as pequenas, serelepes e as maiores, que muito nos chamava atenção porque tinham o rabo bipartindo, conhecidas, pois, como andorinha-tesoura. Eram maiores, porém graciosas.

            As rolinhas muito gostava, porque serenas se equilibravam nos galhos das mamoneiras do lote baldio onde com meus colegas eu brincava de Tarzan. Elas eram personagens do nosso mundo encantado. Sossegadas de Deus ter. Não se importavam muito com a gente. Agradava-me o canto delas - umas chamando as outras. Mais tarde, poeticamente fiquei sabendo tratar-se de arrulhos amorosos. E era, pois de comum era visto um casalzinho trocando carícias com os biquinhos delicadamente roçando o pescoço e as cabecinhas, uma da outra. Nunca gostei de jogar pedras em passarinhos. Qualquer que fosse, mas as rolinhas então, nem pensar, pois minha mãe dizia que elas era galinhazinhas de Nossa Senhora.

            De olho embevecido naquela andorinha singela, bela, solitária, mas graciosamente imponente, voei sertão adentro e fui esbarrar em Diadorim, numa praia do rio Paredão, declarando seu encanto por um passarinho, o Manuelzinho-da-Crôa: “ é preciso olhar para esses com todo carinho”.

            Pois é, passarinho está em toda parte, melhor quando está em nosso coração, evocando lembranças.

terça-feira, 14 de maio de 2013


MENSAGEIROS DA EMOÇÃO NO LANÇAMENTO DO LIVRO “DO CERRADO ÀS BARRANCAS DO SÃO FRANCISCO”




Nesta noite nós vamos falar sobre um livro:


GUI: Do Cerrado às barrancas do São Francisco.


JACINTA: De autoria do nosso companheiro João Naves, com participação gráfica de Dirceu Lelis de Moura e diagramação de Bia e Jonas. Eis o belo trabalho, arrematado pela gráfica Santo Antônio. Aplausos para eles, amigos.

BEATRIZ: “Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível vendê-los? Essa idéia me parece estranha. Somos parte da terra e ela é parte de nós. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas Campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família. Tudo o que acontecer com a terra acontecerá com os filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isso sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra”.


JACINTA: Assim começa o livro, falando do respeito de um índio pela terra. Nós também respeitamos a terra e muito especial cantamos o nosso Brasil.


CANÇÃO: MINHA TERRA


ZENINHA: Disse Domingos Diniz sobre o livro:




JACINTA: SER TÃO SEM cercas nem porteiras. Vastas terras que não acabam mais, cortadas por morros e morrotes. Banhadas por lagoas e veredas, veredinhas e veredões de buritizais que se perdem de vista. Lá onde os córregos e rios nascem e vão engrossar as águas do São Francisco. Os gerais de terra frouxa, onde a anta sapateira deixa vivas suas pegadas e bandos de emas se esporeiam com os próprios ferrões que trazem debaixo das asas, para correrem mais e mais nas campinas. Ao meio-dia com o sol quente, nos roçados, enquanto o sertanejo planta o milho, pássaros-pretos, nas grimpas das aroeiras, cantam “enfincam, enfincam, enfincam / arranco, arranco, arranco”.

SEM SER TÃO pobre o mundo do sertanejo, que trabalha na sua roça de milho, mandioca e cana. Cuida da família e toca viola, nas noites de lua, sentado no batente da porta da casa.


CANÇÃO: LUAR DO SERTÃO


JACINTA: Cerrado, veredas, rios, chapadões, cais... um caminhar pelo universo físico de Guimarães Rosa sem fim.


GUI: “Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.




BEATRIZ: “O Urucuia vem de montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá - fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeira de grossura, até virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho”.

GUILHERME: “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões...”


ZENINHA: “O sertão está em toda parte”.

JACINTA: É donde canta apaixonado o sertanejo:


MÚSICA DE FOLIA DE REIS (GUAIANO) -NAMOREI UMA BAIANA


JACINTA: O nosso cerrado é de riquezas em coisas, bichos e gente. Do bravo sertanejo, do cantar de Euclides da Cunha, um forte antes de tudo, tem também seus tipos tão especiais. Rochinha, Zé Berto, nosso Barão de Munchasen, Pinico Seriema, Quelé. No seu jeito, lembramos, aqui dois deles.


ZENINHA: - Oi. Tibúrcio, quantas horas?


JACINTA: Sem relógio, ele olhava para o sol e dizia, sem nunca errar: -


GUILHERME: Duas horas e quinze minutos.


JACINTA: A sua manha foi descoberta: de quando em quando ele se informava das horas e, aí aprendeu bem calcular. Por isso não errava nunca.


             José Saraiva Durães, o nosso Zé Bambu, hoje no Lar dos idosos, beirando cem anos com toda saúde. Quando mais jovem, no acompanhar das folias pelas trilhas do sertão, ele cantava apaixonado:


MÚSICA DE FOLIA DE REIS (QUATRO): MINHA NAMORATE TEM A PELE FINA...



JACINTA: Cerrado das belas flores: em junho o pequi, em julho a sambaíba, conhecida mais como lixeira, em agosto a caraibinha toda amarela ou as copas da sucupira-preta vestida de roxa. Ali, o sertanejo tece, com o branco da sambaiba, o amarelo da caraibinha, e o verde da copa da piuna, no azul profundo do céu sertanejo, tem a bandeira do Brasil. E de delicadeza, ele tem a ciganinha, cantada, com sensibilidade tanta, por Saul Martins:





MENINA GABRIELA POESIA FLORES DO CAMPO


JACINTA: Tem uma passagem escrita pelos relatos de Rui Mendonça, Leão e João Quexedé, é a riqueza de nossa fauna. Tem bichos e tem histórias passadas, como no casos de Marciano Moreira com as onças.


MÚSICA - MODA DA ONÇA


BEATRIZ: Ainda pelas bandas do cerrado, a narração escorrega pelo pagos de Serra das Araras e retrata a lenda do Santo Antônio sua fuga da igreja chique da cidade para seu ranchinho na Serra das Araras. Dó de se ver aquele santinho na trilha arenosa batendo a precatinha.


JACINTA - chap... chap... chap. chap... chap... chap.


BEATRIZ: E, passados os anos, a Serra ganhou fama e música que todo serrano canta apaixonado.


MÚSICA: ADEUS SERRA DAS ARARAS


JACINTA: E saltando o rio, o livro retrata o de ser da mata seca, não de tanta beleza no inverno, mas exuberante, quando chove - aroeira, imburana, mamoninha, tamboril, angicos e o sagrado umbu.

Do lado de cá tem serra onde o caboclo apaixonado pode cunhar com a ponta da faca o nome da mulher amada.


MÚSICA: NO ALTO DAQUELA SERRA....


JACINTA: É de cá que os escritos falam de Adão Barbeiro, Mestres Minervino e Nego de Venança, sai cantando com os foliões que alegram as noites natalinas e repetem, a cada ano, histórias que o tempo gravou. As danças animadas - lundu, quatro, catira.


DANÇA: CATIRA - DANÇA


JACINTA: Em São Francisco, no ciclo natalino, ao cair da noite alteiam-se as vozes e o tan-tan das caixas nas pontas das ruas. Aparece animado cortejo, com a meninada explodindo em alegria, desafiando a população: todo mundo me dizia que meu boi não saia... e chegava para provar


AUTO - BOI-DE-REIS


JACINTA: Chega por fim para bebericar nas águas do São Francisco, o sagrado São Francisco. Agradecido Senhor Deus por nos ter dado tão maravilhoso rio e com ele a doce lembrança de um santo amoroso das águas e dos bichos, São Francisco.



MENINA MARINA - POEMA NA MINHA TERRA PASSA UM RIO


JACINTA: Antes de nossa descida às barrancas, vamos fazer um registro que é de propriedade tanta – no seu significativo e por ser de grande coincidência de acontecer nesta data o lançamento do livro sertão: hoje é o Dia do Sertanejo. Êta sô!


             E na hora de agradecer, no encontro com o Criador, é nas águas douradas do rio, pincelada pelos raios do sol, que o homem descansa e se reencontra com a paz.


CANÇÃO - GREENFIELDS

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quarta-feira, 6 de março de 2013

Visita


           Abro a porta do meu blog, festejando emocionado, a minha netinha Marina Naves, que aos 13 anos tem se revelado uma admirável escritora e poeta, com excelentes trabalhos. Sobra tempo, ainda, para o violão, que já domina com muita graça.

           Por fim, festejo outro fato: ela é, também, apaixonada pelo Rio São Francisco.

           Este poema - A Agonia, é uma bela e tocante amostra.

           Não sou um avô coruja; sou um avô feliz!



           Março 2013


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

FOLIA-DE-REIS



João Naves de Melo*




"TERNO DE REIS, folguedo pertencente ao ciclo natalino, introduzido pelos portugueses e encontrado em todo o Brasil, com suas variantes regionais" - é o que diz o mestre Câmara Cascudo.

          Em São Francisco os ternos são dezenas e se distribuem por vários pontos do município, despertando muita atenção de pesquisadores, rendendo tese, publicações em jornais, revistas e vídeos.
          Podem ser encontrados grupos com características diferentes, como observou o pesquisador Wagner Chaves, o que se vê comparado os ternos da margem esquerda do rio São Francisco com os ternos da margem direita, considerando o instrumental usado e até mesmo as músicas e danças. Contudo, o que importa mesmo é a riqueza do folguedo, aqui confessional.

Os ternos já estão na estrada.

          Eu pretendia fazer uma homenagem a todos os ternos de folia do nosso município que são muitos, muitos mesmos. Infelizmente, não consegui listar todos eles - ainda. O pesquisador Wagner Chaves que por aqui andou sertões - dias e noites - preparando-se para mestrado e doutorado, conheceu - e listou - cada canto, cada rancho, cada comunidade, de onde partiam foliões em funções. Estudos importantes fizeram, também, Joaci Ornelas centrado em grupos de foliões na comunidade de Taboquinha e Paulo Freire, com o folião Adão Barbeiro. Da mesma sorte temos a ONGG Cultuarte que vem realizando importante trabalho com nossos foliões, levando-os a lugares distantes, numa demonstração viva de nossa cultura.
          Pois é, queria ter todos eles na ponta do lápis (ou do computador), mas a informação não chegou a tempo e os grupos, como os Reis Magos, já saíram em função, na luz da Estrela Guia.
          Desfilo alguns nomes históricos, tradicionais e muitos outros ficaram de fora para correção futura: mestre Imperador Lúcio do Quebra, Adão Barbeiro, João Pomba Triste, Olegário, Locha, Marciano, Vicente Quiabo, Irmãos Correa, Henrique Quente, entre muitos foliões que, no correr de anos tantos, têm a função de, a cada ano, levar seu canto e adoração ao Deus Menino, na Lapinha.
          Com eles - e por tantos e tantos que não estão nesta lista - mergulho no mundo encantado dos foliões, como se empreendesse uma viagem acompanhando a estrela guia até a humilde manjedoura onde resplandece o Menino Jesus.
          E saio, em pensamento voltado no tempo, de menino e adulto, no mesmo espírito, para caminhar com os foliões, na sua trajetória de amor.


          As caixas gemiam surdamente, solenes, fazendo fundo para os acordes melífluos das rabecas que inundavam o ar, acompanhadas de graves violões e lépidos volteios das violas. Ao fundo, quase imperceptíveis, o titilar do reco-reco e tampinhas do pandeiro.



“Deus vos salve, casa santa/ onde Deus fez a morada...”



          Desponta o grupo de foliões, na penumbra da noite. Chapéus displicentemente caídos na testa; toalhas brancas, bordadas com figuras de aves e bichos, descendo do pescoço, em duas tiras, até a cintura e os olhos pesados do sono guardado. Respeitosos, como chegassem à própria manjedoura, em Belém, aos pés do Menino-Jesus. Cerram os olhos e cantam o Auto do Natal, repetindo os Reis Magos, iluminados pela Estrela Guia. Soa a primeira voz que narra o nascimento do menino, entrecortada pela segunda, mais retida e, depois, a oitava, um doce lamento que brota do mais profundo da alma; por fim, todos os foliões, de vozes roucas, repetem o verso com toda força, querendo que seu hino acorde o pequeno e adorado infante. Aquele canto superposto, a oitava, de uma nota só, profundo, onírico, invade a alma e nos leva a viajar nas recordações pelo tempo corrido. Rebrota a infância trazendo imagens familiares, os amigos, as vielas, praças, casebres iluminados por candieiros, onde nossos pés visitaram e os corações palpitaram de emoção pueril. O olfato fica ouriçado e dá para sentir o cheiro gostoso à imagem das mesas repletas de biscoitos de polvilho, broas de milho, pães de queijo, café-com-leite, pés-de-moleque e tantas iguarias. A orelha até esquenta, aparecendo a mãe muito brava diante das peraltices do moleque... e os homens sérios turrando. É um terno telúrico, que nos leva a aprofundar nas raízes, na própria vida, sentir o chão, os caminhos passados, o céu apinhado de estrelas, o perfume inebriante da dama-da-noite, o cheiro de terra molhada abrindo-se, generosa, ao vôo das mariposas, deixando fugir, também as tanajuras com suas bundinhas cobiçadas; os besouros, de toda cor e tamanho, sendo mais apreciado pelos meninos o de chifres que era transformado em boi nos carrinhos de sabugo. Evoca-se, com ternura e saudade, a vida bucólica em que escorria solta a infância, quando a vida/cidade ainda se arrastava.
          Saudação feita, vem o agrado ao dono da casa; uma catira, a dança do quatro - quando os homens revelam sua habilidade motora, trocando de lugares, brandindo instrumentos que passam zunindo rentes às suas cabeças, enquanto desfiam histórias locais, quase sempre de bichos e paixão - ou o lundu, com a picardia e engodo dos casais, sapateando, rodopiando, enquanto cantam cantigas hilariantes e picantes, puxadas por repiques alucinados das caixas e a marcação dengosa das violas, tudo cadenciado com palmas bem fortes. É quando a alma se abre de vez para extravasar toda a alegria da noite/folia.
          Um golinho de pinga, uns biscoitos, um naquinho de prosa e lá se despedem os foliões pinicando, marotamente, malemolentes, as violas - apenas acordes perdidos, dolentes e apaixonados. E vão desaparecendo na escuridão em busca de outra manjedoura, pois Jesus nasce em todos os lares.
          No relicário da saudade desfilam velhos e tradicionais foliões, entre eles o Imperador Lúcio, empunhando a bandeira que carregou, por mais de trinta anos - até morrer - para cumprir promessa. Vai-se matando saudades, enquanto passam os foliões seguindo a tradição, anos após anos: Locha, sempre tão inventivo e exímio dançador, Adão Barbeiro - o rei da dança do facão e da garrafa -, Pedro-Duro - dos poucos conhecidos com coragem para pinicar o Rio-Abaixo, depois de muita adulação e agrados -, Marciano, Vicente e tantos outros. Carregam na sua jornada a história de um povo.
          Dá para ouvir, um pouquinho da sua glosa:



“Gosto de folia / Não é da conta de ninguém / Lá em casa não tem galinha / Na folia eu sei que tem...”