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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NATAL



O Natal é tido como a maior festa da cristandade. Deveria ser de toda a humanidade, sem distinção de credos, pela mensagem que encerra. Àqueles tidos como agnósticos ou de outras religiões, nem precisariam questionar se se tomar como fundamento o que significou Jesus para todos os homens, a importância de sua mensagem. Nem preciso é se prender ao fato de ser Ele, para os cristãos, o verdadeiro filho de Deus. Preciso é saber e lembrar sempre que Ele só quis ensinar uma coisa: o amor – “amai-vos uns aos outros”.
Quem pode ir contra esta mensagem? Certamente aqueles que não têm no Natal outra preocupação (se tiver) de festejar a data com regalo, por causa da tradição. Aí se incluirão aqueles que não querem a paz no mundo por causa da ambição, da sede de poder e de dinheiro; aqueles que são capazes de massacrar milhares e milhares de homens como se bichos fossem para não criar entraves em seu caminho. Estarão aqueles que fabricam armas, porque isto lhe dá dinheiro. Ora, qual é o único objetivo de uma arma de fogo? Poucos às têm como enfeite, como objeto de coleção. A grande maioria as tem para o fim que foram fabricadas: detonar projéteis, quase sempre no ser humano para atingir diversos motivos. Fabricar armas é permitido. Depois é a luta insana do governo em criar leis para proibir o seu uso; da polícia para apreendê-las nos recônditos dos lares desavisados ou nichos de bandidos. E os fabricantes com armas cada vez mais sofisticadas e poderosas, como ficam?
Impressionante é contemplar o resplendor daquele menino em humilde berço que veio para mudar, transformar totalmente a história da humanidade – e, passados 2010 anos continua provocando mudanças. Tem uma força miraculosa de tocar a sensibilidade, a alma, o coração do homem. Insensíveis existem, mas ainda que pecadores, não estão distante desta luz, pois Aquele menino veio para todos – para os bons e para os maus. Por isso o Natal tem o condão de acender, a cada ano, as esperanças de tempos melhores, de paz, de amor, de concórdia, no destino da humanidade.
Então, em mais de dois mil anos, continua-se em busca dessa luz, pois ela é a única verdade, o caminho, ainda que o mundo se apresente na contra-marcha do bem e da paz. Ainda que muitos homens mais pensam em si e que, por todos os meios querem se enriquecer causando a dor, a miséria, o sofrimento em muitos lares.
Uma estrela, mais uma vez, nos conduz a um pequeno berço, onde resplandece um menino, o bem da humanidade e, malgrado, tantas adversidades e decepções, com Ele possível é viver o amor, a paz e abrir um sorriso na direção de seus semelhantes, de poder acolhê-lo em seu coração em regozijo, alegria imensa, em rio caudal de muita paz. O Natal sempre será o Natal, a mais bela festa da humanidade!
FELIZ NATAL, amigos.
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Arte: Jonas Silva Ribeiro

terça-feira, 23 de novembro de 2010

MONTALVÂNIA: UM MERGULHO NO PASSADO

Começava o ano de 1952, quando uma cidade nasceu do ideal de um homem que descortinou novos horizontes em uma região lindeira com a Bahia, então sertão inóspito. Ele antecedeu em alguns anos, ao lançar a semente da nova civilização, à grande realização do Presidente Juscelino construindo Brasília. O que fez, no entanto, graças a sua inabalável determinação e as terras de sua fazenda que foram sendo fatiadas em lotes.
Ao plantar a sua cidade, iluminou-a com nomes de filósofos, compositores e escritores – lumes da civilização para inspirar jovens e habitantes da nova cidade para que tomassem gosto pelo saber. O futuro daria a resposta.
Antônio Lopo Montalvão, o homem, antes de tudo um sertanejo afeito à terra, mas com o pensamento vislumbrando o futuro, novos horizontes, querendo ir longe e até mesmo às estrelas. E se fez filósofo, espeólogo e, especialmente com a atenção voltada para a vida extraterrestre - buscando sinais de civilizações antigas ou de outras planetas nas cavernas da região. Assim ele fundou, levantando pedra a pedra, tijolo a tijolo, a cidade que iria ornar o extremo Norte-Mineiro, quase nas barrancas do Rio Carinhanha, divisa com a Bahia. Seria justo que ela ganhasse o seu nome, imortalizando o seu ideal: Montalvânia, a cidade de Montalvão.
A semente que plantou não foi apenas a cidade, mas o sentimento arraigado de amor à terra em cada habitante, revelando um desmedido amor às suas coisas. É o que se vê, hoje, quando conversa com pessoas da cidade que falam com tanto orgulho de suas realizações, de suas belezas naturais, destacando o encantamento pelo Rio Cochá que banha a cidade, daí criando até mesmo o carinhoso termo de tratamento dos locais como cochaninos.
Em um outeiro, dominando a cidade, onde Montalvão construiu uma casa para contemplar o nascer de sua cidade, os homens de hoje construíram um complexo cultural e histórico - nele um mirante encimado pela estátua de Cristo Rei que, às noites, brilha alcançando pontos da cidade. O complexo é ornado por um belíssimo jardim, cuidadosamente mantido. O local recebeu o nome muito significativo: Monte Lupino, outra referência ao fundador. É um marco visível da história, da cultura e do espírito de cidadania do povo de Montalvânia. Pois é, agora que voltei à Montalvânia, com a realização de uma reunião ordinária do CBHSF9, encontrando-a tão moderna, desenvolvida e bonita e, sobretudo, com um povo que se orgulha dela, mergulhei no passado, à minha adolescência. Dezembro de 1953. Montalvânia não era mais do que a fazenda de Montalvão e algumas casas (lembro-me apenas da dele). Eu estudava o curso normal na Escola Caio Martins de Esmeraldas, quando de lá partiu, no mês de setembro de 1953, uma Bandeira (doze jovens caiomartinianos preparados na Escola de Esmeraldas para a missão de desbravar o sertão) para fundar o Núcleo Colonial do Carinhanha, hoje Juvenília. Em dezembro a direção da Escola designou um grupo de jovens estudantes (meninos três deles - eu, Raimundo e Holmes - os outros mais velhos) para dar apoio à Bandeira. Viajamos de Januária a São Sebastião dos Poções na carroçaria de um caminhão que levava mercadoria para Cocos - Ba. De São Sebastião dos Poções à fazenda de Antônio Montalvão seguimos caminhando. Dura jornada.
Na fazenda fomos recebidos pelo proprietário que, no terreiro praticava tiro ao alvo, o que muito nos preocupou. Ele nos acolheu carinhosamente - “os filhos do Coronel Almeida” - dizia ele. No outro dia nos levou em seu jipe ao Núcleo onde permanecemos durante três meses trabalhando em setores diversos - a minha tarefa e do Raimundo era bater tijolos - os tijolos que levantariam as primeiras casas do Núcleo. Lembro-me que quando de uma visita do Coronel Almeida ao Núcleo, ali chegou, também, Antônio Montalvão e o que ficou na minha lembrança foi ele e o coronel fazendo numa disputa de natação no Rio Carinhanha - eu torci ardentemente pela vitória do Cel. Almeida que perdeu a disputa. Anos mais tarde, já como professor e diretor de Centros e Núcleos da Fundação Caio Martins, durante uma década passei por Montalvânia seguramente seis vezes por ano. De uma feita, quando caiu um intenso temporal na região, nosso carro ficou retido do outro lado da Grota do Paiol cuja ponte fora arrastada pela enchente. Deixamos o carro, atravessamos a água agarrados em uma grossa corda presa de barranco a barranco e fomos para Montalvânia onde ficamos dois dias à espera de socorro aéreo, o que não aconteceu. Teríamos de viajar por terra, então, mas a cidade estava ilhada, carros pequenos não podiam vencer o trecho de saída, numa baixada, totalmente tomado pela água de um córrego. A solução foi contratar um caminhão para transportar uma rural que fretamos para transpor a área alagada. Assim foi feito. Mais tarde, como diretor da escola Caio Martins de Esmeraldas estreitei mais ainda os laços com Montalvânia através de seus filhos e filhas que foram cursar naquela escola - Curso Técnico em Agropecuária e Magistério. Foram muitos deles, hoje cidadãos destacados, muitos de volta à região onde prestam serviços em várias áreas. Isto me alegra muito.
Agora, voltando à Montalvânia, mergulhei no passado e quando cheguei às margens do Cochá, vendo-o ainda tão bonito, tão farto de água, senti-me atravessando uma mata fechada, pisando em grosso tapete de folhas secas que estralavam à medida que avançava os passos, às vezes assustado com o agitar de asas de belos jacus e rezando para não encontrar com uma onça pelo caminho, tudo para chegar às margens do Cochá que ficava bem acima do Núcleo. Lá estava ele descendo suavemente totalmente coberto pelas copas de altaneiras árvores, nem uma nesga de luz e, por isso, suas águas tinham uma tonalidade escura.
Agora volto a encontrar o Cochá e com um propósito - juntar com o pessoal de Montalvânia, em especial com o vice-prefeito Horácio Sales e o escritor Almir Sabino que, em seus depoimentos no transcorrer da reunião do Comitê, revelaram a grande paixão pelo rio, para, também, lutar pela preservação dele. Dou-me, assim, muito feliz pelo reencontro. Mais ainda pela maneira tão carinhosa, hospitaleira e calorosa com que fomos recebidos pelos amigos de Montalvânia. Não tem jeito, é repetir, Exupéry - “Tu te tornas eternamente por aquilo que cativas”. Viu só, Montalvânia? Voltei e sou um dos seus, cativado que fui.




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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

SÃO ROMÃO NINHO DE TRADIÇÃO



Neste ano, enfim, participei da tradicional festa de Nossa Senhora do Rosário em São Romão - muitas vezes ensaiada e agora realizada pelo compromisso firmado com a são-romanense Rita de Cássia, com um motivo especial - sua família se preparava com fé e amor para a festa que, neste ano, teria sua irmã Rosália como rainha. No sábado peguei a estrada tendo André e Guilherme como companheiros. Na chegada um imenso congestionamento na travessia do Rio São Francisco - tanta gente buscando São Romão. Fomos recebidos por duas ex-caiomartinianas: Darluce e Neinha. Outros lá estiveram, antes, mas como atrasamos muito, foram se preparar para a missa, pois já caía a tarde. Fomos instalados na bela e confortável casa de Darluce e Pedro (na fachada da casa afixada uma gentil faixa pelos meus queridos ex-alunos e amigos dando-me as boas-vindas na acolhedora São Romão. Emocionante), na moderna avenida Presidente Tancredo Neves - como São Romão tem crescido e se modernizado! Depois de um breve descanso, com tempo para agradável bate-papo acompanhamos Darluce para o primeiro ofício religioso de nossa participação - o encerramento da novena de Nossa do Rosário. Chegamos ao largo onde foi erguida a igreja de Nossa Senhora do Rosário. Disseram-me que erguida por escravos que têm a Senhora do Rosário como padroeira. A igreja guarda, ainda, muito da arquitetura original, o que se vê em uma parte do telhado - uma parte de telhas e madeiramene antigos, as arcadas dividindo o interior em três naves e um belo altar onde, lá do alto, reina a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Fiquei sabendo que o altar original sofreu um sinistro. A missa foi celebrada pelo padre Arimatéia que passou por São Francisco, com participação de um belíssimo e afinado coral. No final da missa a coroação de Nossa Senhora por um grupo de anjinhos com direito ao acompanhamento da banda de música Sete de Setembro com o maestro Mário Torres (Marão).

O CORTEJO DO REI

Veio uma parte muito esperada e emocionante: a coroação da rainha e do rei da festa (Cosmo e Rosália), sob muitos aplausos e vivas. Seguiu-se, depois, o cortejo levando o rei à sua casa. Muita gente e a banda animando a caminhada. Na entrada da casa do rei a guarda paramentada com muita distinção e dignidade, investida na alta autoridade de guardiães da tradição de Nossa Senhora do Rosário. Uma enorme tenda no quintal da casa com duas mesas cobertas fartamente de diversos alimentos. Numa tomaram assento a guarda do rei e, na outra a banda de música que executava de minutos em minutos variados números musicais - dos dobrados à música popular, tudo com muita graça e harmonia. Alcólitos se ocupavam de servir a multidão levando balaios e mais balaios de quitandas acondicionadas em sacolas que eram ali consumidas ou levadas para casa. Fartura satisfazendo a todos. Ficamos ali, eu André e Guilherme vivendo aquele momento mágico.

ALVORADA

Fomos dormir bem tarde, mas isso não impediu que às 4h Darluce desse o primeiro aviso: a alvorada. Levantei-me - o que não fizeram André e Guilherme. Cedo estava, por isso voltei para mais um cochilo. Às 5 h não teve jeito. Lá fomos, eu e Darluce, na fresca manhã sanromanense com o céu ainda apinhado de estrela, para a casa do rei, onde teria início a alvorada puxada pela banda 7 de Setembro. Na grande praça uma multidão ainda participava do show que varara a noite com a apresentação de diversas bandas - comemorava-se o aniversário da cidade, concomitantemente à festa religiosa. Na última banda, vários músicos da banda Sete de Setembro e, por isso, a alvorada ficou prejudicada.
Chamei Guilherme e descemos para a orla do rio para esperar os Caboclinhos que, segundo a tradição, desceriam o rio embarcados em uma lancha. Ali, por bom tempo, contemplamos a beleza do Rio São francisco beijando os barrancos e a ilha Guariba, palco de importantes capítulos da história de São Romão. A chegada dos caboclos estava atrasada e tinha motivo - a lancha estava encalhada em um banco de areia no meio do rio. Enfim ela se aproximou do cais, dela desceram os caboclinhos. O guia à frente puxando duas alas de guerreiros enfeitados com belos cocás e tangas de buriti. Passadas firmes, elegantes, ritmadas e a vibrante música puxada pelo cacique e respondida pelos demais guerreiros.A interessante e muito bonita a coreografia, no ir e vir, como se quisessem buscar o futuro, mas com a necessidade de resgatar o passado. Eles tomaram conta da avenida com sua dança frenética e o canto enchendo o ar. Sumiram a na direção da casa do rei.
Eu e o Guilherme fomos para a casa da rainha, pois por lá chegava a turma do congado comandada pelo Melé, uma figura fantástica, muito pequeno, mas cheio de energia, alegria e simpatia. Tomamos café com eles e, é claro, saboreamos tradicional paçoca de carne seca. Depois, como um bando de codornas espantadas com a chegada do homem, sairam eles depresa, dançando e cantando, avenida acima - foram se juntar aos caboclinhos para conduzir o rei ao palácio da rainha.
Minutos depois, desceu o cortejo: caboclinhos e congado à frente, um espetáculo de rara beleza, muita graça. Com eles mergulhamos no passado, trazendo a história das gentes de São Romão, desde os índios que habitaram a ilha Guariba, aos negros que levantaram a Igreja Nossa Senhora do Rosário. Uma beleza o movimento deles, como onda do São Francisco tocadas pelo vento. Um grupo avançava contra o outro e se entrelaçavam. Difícil imaginar se daria certo, se não ficariam enroscados - os caboclinhos batendo as preacas em ritmo gostoso, firme, cadenciado e os congadeiros acompanhando a batida dos pandeiros jogando o corpo de um lado para o outro com graça. Misturam-se, de repente. E do que poderia parecer um tumulto avultavam-se os cantos definidos de cada grupo. Alternavam-se nas posições - ora um junto ao séquito do rei, ora o outro. O rei descia tão soberano ao lado do pajem ostentando enorme guarda-sol. Os dois protegidos por uma guarda formada por vários homens paramentados, circunspectos, formando um quadrado com uma armação colorida. Atrás, vibrando os mais ardentes e belos dobrados, a Banda Sete de Setembro, então completa e em uniforme de gala. O cortejo chegou à casa (palácio) da rainha que veio à porta receber o rei, acompanhada de sua inseparável e emocionada mucana e cercada pela família real, tendo à frente a rainha mãe, dona Terezinha, tão empolgada com aquele momento incomum e privilegiado da festa religiosa e cultural de São Romão. Recebeu o rei e todos aplaudiram. A banda festejou com dobrados. Dançaram mais vibrantes os caboclos e congadeiros. A rainha foi levada ao cercado e se juntou ao rei e, dali, seguiram para a igreja Nossa Senhora do Rosário enchendo as estreitas e históricas ruas de São Romão de cores, música e um quê de mistério de coisas guardadas e passadas pelo tempo. O cortejo deslizou entre casario antigo - é a parte mais velha da bela São Romão. Passou pela Igreja do Divino Espírito Santo (matriz), pelo casarão que serviu como cadeia, no passado, e hoje, museu; passou, ainda, pela tradicional escola Afonso Arinos, berço da cultura local e, enfim, chegou à igreja, onde rei e rainha entraram triunfalmente sob aplausos da multidão de fiéis.
Depois do ofício religioso, a recepção na casa da rainha. Uma ala da avenida foi fechada e forrada de mesas para que todos pudessem participar da grandiosa festa regada por cem caixas de cerveja - “apenas” - e uma infinidade de pratos. Afinal, foi um ano de preparação.
Uma festa que fica guardada nos olhos e no coração para sempre.


OS CABOCLINHOS

Escrever sobre os caboclinhos nunca terá a mesma emoção e sensação de que acompanhar o grupo em atividade. Dias atrás eu tive a oportunidade de acompanhar, pela primeira vez, o desempenho do grupo de caboclinhos de São Romão, famoso em toda Minas Gerais, por sua tradição.
Não tive como conversar com o chefe dos caboclinhos, pois o meu tempo foi curto e eles estavam em plena atividade juntando-se ao congado e banda de música Sete de Setembro para conduzirem o rei e a rainha da festa de Nossa Senhora do Rosário à igreja para a celebração da Missa Festiva, encerrando as atividades em homenagem à santa. Não fiquei sabendo como surgiu o folguedo em São Romão, por isso, nesta página vou mesclar o que ensinam alguns renomados mestres a respeito e o que senti nas horas que passei com o grupo.
Diz o mestre Câmara Cascudo sobre os caboclinhos - que ele denomina como cabocolinhos - “trata-se de grupo fantasiado de índios que percorrem as ruas das cidades do Nordeste do Brasil. Com danças dramatizadas eles representam as lutas entre cabocolinhos e os brancos. Diz mais o mestre: “embora pareçam danças de origem ou aculturação ameríndia, na realidade são de influência africana, correspondendo ao Auto dos Congos, verdadeiros Reisados que, juntamente com o Auto dos Cabocolinhos, deram origem ao Guerreiro”.
Para Ariano Suassuna, o “caboclinho é a expressão da genialidade e miscigenação do povo brasileiro”
Existem outros entendimentos, como o do padre Fernão Cardim no livro Tratado e Terra da Gente Brasil que registrou, pela primeira vez, o folguedo, isto em 1584, dando-o como de origem indígena. Há sentido, pois caboclo significa a mistura de índio com branco e caboclinhos são filhos dos caboclos.
A beleza do folguedo está na coreografia, muito rica, com passos que exigem desenvoltura e excelente forma física, pois dançam e cantam por horas a fio percorrendo as ruas da cidade. A música é leve e ligeira, com os caboclinhos provocando constante som - muito bem ritmado, o estalido seco das preacas - conjunto de arco e flecha (a flecha tem uma saliência na base e a outra parte afulinada e, assim quando ela é arremessada passa quase toda por um orifício aberto no arco, retendo-se no final, com forte estalido, quando a saliência da base vai de encontro ao orifício). O cacique, à frente do grupo vai puxando versos ou loas que são repetidos pelos demais caboclinhos - em São Romão, quando acompanhei o grupo, os versos se referiam ao rei e à rainha do Rosário.
Causou-me muita emoção e alegria foi ver a presença de muitos jovens e crianças compondo o grupo. Isso é garantia do folguedo em São Romão, o que, certamente, já vem de longas eras. Bonito, precioso e emocionante, é o que se pode dizer sobre o grupo de Caboclinhos de São Romão.
Vou aguardar informações que me foram prometidas por minha amiga Darluce, da sua pesquisa de mestrado, para dar mais informações sobre tão significativo trabalho cultural da bela São Romão.

CONGADO EM SÃO ROMÃO

O congado é uma manifestação cultural e religiosa de influência africana adotada em algumas regiões do Brasil. Segundo o mestre Saul Martins o congado, na raia dos folguedos, é a maior ocorrência folclórica em Minas. É do mestre a descrição a seguir: “A festa é de devoção, um ritual sagrado, embora o profano a ela se associe. Entra-se no Ciclo do Rosário no princípio de agosto, mas comemora-se 7 de outubro o dia da padroeira. Abrange, pois, três meses seguidos. Ainda que frequentes, registram-se manifestações fora desse trimestre, como se vê em Serro - final de junho - e em Conceição do Mato Dentro - começo de janeiro para citar só dois exemplos.

Nesse evento, consideram-se quatro partes:
1) Reinado, que se compõe de rei e rainha congos, princesa Isabel, juízes e juízas, dignitários e mucamas, entre outros. De sua constituição devem participar os membros de crença. O papel do reinado é unir as diferentes guardas em um mesmo sentimento de fé em Nossa Senhora do Rosário e manter coesos os de cor. Sua origem se explica principalmente com a fixação de lembranças de época faustosa da rainha Ginga de Angola e de Chico Rei, o lendário animador de Vila Rica. O registro mais antigo da ocorrência em Minas pertence a André João Antonil, que aqui esteve de 1705 a 1706. Em sua obra, publicada em 1711, notícia dessas festas.
2) Embaixadas, que se traduzem em homenagem ou em destemor e valentia. E parte dramática, representada, e inclui a rezinga ou luta de espada entre embaixadores.
3) Guardas, que são em número de sete, menos o candomblé. Cada uma destas possui vestuário próprio e autonomia - é uma unidade rítmica e coreográfica. Segundo o lugar, em vez de guarda, que é a designação mais comum, chamam-lhe a corte (ô), banda, terno, batalhão.
A guarda não terá menos de doze de varsais. Há-as com trinta, quarenta ou mais. Varsal é cada um dos figurantes não graduados de qualquer guarda de Nossa Senhora do Rosário. A palavra, talvez, seja modificação prosódica de vassalo Curioso: em Alencar, Para, ela assume a forma valsar. Cada guarda tem função específica no Congado, bem definida.
4) Todos os figurantes, quer sejam membros do reinado, das embaixadas ou das guardas, pertencem à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, instituição religiosa que se fundou em Minas Gerais desde os albores do século XVIII, inspirada nas Corporações de Ofício da Idade Média.

Em São Romão o congado é tradicional, está intimamente ligado à festa do Rosário, com inspiração na igreja erguida em honra à Nossa Senhora do Rosário, por negros, segundo os locais. Localizado em um largo, no final de uma das mais antigas ruas da cidade, no limite urbano, apesar de ser uma construção simples, torna-se imponente por sua história e fervor religioso do povo, sempre puxado pelo congado.Deve-se ressaltar, no congado de São Romão, a liderança de Melé que esbanja energia com sua baixa estatura, e, ainda, a presença de muitas crianças, o que garante que a tradição será mantida.
De quando vem o congado de São Romão, passando de pai para filho? É o que faz a sua bela história, para alegria do povo de São Romão e todos os amantes do folclore. É, sem dúvida, um registro histórico e cultural.



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VISTAS DE SÃO ROMÃO



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Fotos: Guilherme e João Naves
Diagramação: Jonas
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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

RIO SÃO FRANCISCO DE 4 DE OUTUBRO DE 1501 A 2010

O amor é imenso. É uma ligação tão antiga, tão remota. São Francisco, a cidade, nasceu e se fez tão bela, por causa do rio que a abraça e lhe dá o mais belo pôr-do sol do Vale. Motivos para festejar o 509º aniversário do descobrimento do rio.
Um americano criticou os brancos que queriam comprar suas terras dizendo que eles não tinham respeito por ela que era sua mãe, que cospiam nela. O que fazem os homens com o rio, hoje - e ao longo de uns anos para cá -é pior, jogam suas sobras nele.
Neste ano, mais uma vez o rio está esverdeado. Perdeu sua cor cristalina, quase azul suave. O grosso lodo vem chegando e, depois dele, o mau cheiro...Faltou chuva. Faltaram as águas. Tomado por bancos de areia, a pouca água serpenteia gargantas secas.
A morte ronda o rio e, com ele e por ele a vida barranqueira. Um vídeo nos chegou pela internet mostrando a descarga fétida de grosso e negro esgoto no rio, a montante da nossa São Francisco. Um crime descarado (no site www.youtube.com, digitar Contaminação Rio São Francisco).
Ainda assim, caro rio, nosso amado rio, ainda rendemos-lhe o nosso tributo.
E vamos lutar por você, sempre.




Tributo ao Rio São Francisco

Meu Rio São Francisco,
Rio do santinho irmão das águas,
Do sol, da lua, das flores e dos humildes.
Santinho dos barranqueiros
Bem que me lembro de suas águas claras
Trazendo saudades da Zagaia
Lá dos píncaros da Canastra
E lembranças do cerrado
Das águas brotadas na locas de buritis
Nas veredas belas como o Éden
Com jeito do dedo de Deus passado.
Lembro-me de suas águas claras e mansas
Correndo na sombra de matas fechadas
A lamber com doçura o capim braço-duro
Que forrava e segurava o barranco
E ficava a assuntar as galhas da ingazeira
Agitadas com suavidade cantando na manhã.
Levantado o irmão sol
Elas refletiam as flores vermelhas do pajeú.
Eu bem me lembro de suas águas claras
Apinhadas de ariscas piabinhas
Beliscadeiras dos pés das lavadeiras
Que nas pedras lisas batiam roupa e contavam causos.
E a espuma branca beijando as praias
Banhando os pés de melancia da coroa
De onde saía o doce fruto desejo do mestre Saul.
Meu rio São Francisco
Berço da Iara bela de olhos e cabelos verdes
Reino do surubim de cabelo, guardião do palácio encantado
Rio que esconde nos esconsos profundos
O caboclo d´água, compadre dos pescadores.
Lembro-me do rio das águas fartas e profundas
Por onde deslizavam as barcaças
Levando fincada na proa o mistério
A garantia da boa viagem – a carranca.
Rio caminho dos belos vapores
Apitando saudades em cada porto.

Rio São Francisco caminho da nossa vida
Por ele nasceu nossa civilização.
Que nele cresceu e ainda vive
Rio São Francisco onde deita nossa alma
Assim como inspirado cantou o mestre Saul.
Lendas, mitos, histórias, vida vivida
O nosso São Francisco. A nossa vida



Hoje, querido rio,
O que fizeram com seu corpo?
O que fizeram com suas águas?
Você agoniza, a gente sente.
As águas claras, mansas e doces
Foram cobertas de espesso verde.
Não que seja feio o verde,
Mas não este verde que cobre seu leito:
Grosso como uma gosma
Fétido como carniça intolerável.
Nauseabundo cheiro da morte
Que inunda os lares barranqueiros.
Morte aos peixes! Decretaram.
E os peixes morreram aos milhares
Surubins erados de tamanho descomunal
Só vistos nas outroras em grandes pescarias.
Foram retirados de suas cavernas para morrer.
Dourados, sem brilho, boiando na água negra,
Curimatã e até mesmo o pacomã.
A morte corre em suas águas
Silenciosa e feia, onde tudo era vida e belo.



Noraldino Lima, Manoel Ambrósio, Elísio Horbilon
De onde estejam, olhando rio, acudam-nos.
Como cantar o Rio e o barranqueiro?
Qual história nos resta?
Saul Martins, Domingos Diniz, Ivo das Chagas,
Mestre Minervino, estamos emudecidos.
Não se canta o lundu nem dança o quatro
O Rio Abaixo desafinou.
A morte nos surpreende.

São Francisco, querido São Francisco
Rio do Santinho das águas.
O que podemos lhe dar no seu aniversário?
- Ironia, rio, falar em aniversário
Se o descobrindo o homem escreveu seu epitáfio.
O que podemos passar às futuras gerações?
E tem mais ironia, Rio. E que ironia:
E ainda assim, com tanto desprezo,
Querem levar a lama negra, o lodo verde,
A fétida água que resta, para o Nordeste.
Aos pobres irmãos nordestinos esta herança.



Hoje, o barranqueiro não pode pôr a mão em suas águas.
Não pode, ao modo antigo, tomar água no cucuruco do chapéu
Ou na concha das mãos
Se o fizer, é advertido: pode adoecer ou morrer.
Diz o governo que sua água natural é imprópria para consumir
Até para os bichos, Rio. Até para eles.
Meu rio, imagina só:
O barranqueiro só pode tomar sua água se tratada.
Então você está mesmo doente e só dão o atestado.
Nós lamentamos e choramos.

Onde temos nossa alma
Vamos consumir o nosso corpo.
Vamos buscar longe Castro Alves para evocar de novo:
Deus, ó Deus, onde estais que não nos acode e salva
Nós morremos. Nosso rio morre
E os homens senhores de hoje vergateam nossa alma
Mudos se fazem. Nada vêem.
Rio São Francisco, perdão
E uma lágrima rola, vinda da alma,
Você não merece tanto desprezo
Porque tanto nos dá – a vida.

04.10.2007




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terça-feira, 14 de setembro de 2010

ANIVERSÁRIO DE KEU

Preciso é um registro mais amplo da bonita festa que reuniu a família e um grande número de amigos de Keu na Pousada Peixe-Vivo, no sábado 28, para comemorar mais um aniversário dela.
Foi tudo muito espontâneo, bonito, cheio de cores, alegria e música, muita música, como ela tanto gosta e transpira. Começou com os amigos que vieram especialmente de Belo Horizonte, em ônibus especial. Duplas de violeiros e cantores solo. E teve uma apresentação muito especial dos Mensageiros da Emoção (Beatriz, Zeninha, Guilherme, André, Wendel e eu). Na sua forma habitual de se apresentar, os Mensageiros mesclam texto enfocando a vida do homenageado, no caso Keu, com músicas que fizeram (e fazem) parte de sua vida.

Foi tudo tão bonito e emocionante, com direito às lágrimas doces e felizes. Por isso, resolvi trazer para está página o texto escrito e apresentado. Complementando, algumas fotos do evento. É para aqueles que gostam muito de Keu e não puderam vir a São Francisco, aproveitando para deitar os olhos no pôr-do-sol e nas serenas águas do rio.

Mensageiros da Emoção

(Entrada com adaptação de música de Vinícius e Toquinho: Keu, não anda só; só anda em boa companhia...)



Não muito tempo foi passado, porque quando se cria laços as distâncias são encurtadas. Assim, em certo dia aqui chegou uma família, a Oliveira. Logo se destacou o guia, Zé da Pinga e, com ele dona Maria – duas criaturas de Deus de tão dóceis, amigos e felizes. Dois rapazes: Ailton e Valmir e duas meninas/moças, Milsa e, ela Creuza, a nossa querida de todos, Keu. Que bela era a sua alegria e do gostar logo da cidade e muito mais do seu rio o nosso São Francisco com suas belas águas.

MÚSICA: “As águas descem buscando o mar e o São Francisco vai descansar...
A menina/moça foi se entrosando e logo-logo seus olhos e o pulsar de sua sensibilidade bateram na Tia Cecy e passando por aquela generosa educadora mergulhou na alegria da meninada da Escolinha do Bom Menino e, daí a simbiose artística aconteceu. Era grande seu carinho por aquela Escolinha, o xodó de São Francisco naquelas décadas. Que prazer e orgulho de ensinar a meninada soltar a alma gentil cantando.

MÚSICA JOÃO DE BARRO – do tempo da Escolinha do Bom Menino

Keu chegou à escola Caio Martins através de várias portas – uma delas foi a música, encantada que era com o coral da escola. Mas teve passagem sentimental muito forte também, em cor grená – era a rainha do Estrela, time nascido na escola. Ela liderava o fã clube de jovens. Era o Estrela o time da juventude e, em seus jogos, ela vestia a camisa grená, amarrava na cabeça uma fita branca com uma estrelinha também grená e, na arquibancada, puxava o hino do clube. Amizade profunda porque nascida no sentimento da alma, com a música. E ela cantava todas as canções do coral com seu amigo Dirceu puxando no violão.

POUT POURRI – GRAÚNA, EMA E MINHA TERRA.

Keu parecia repetir duas belas lições da literatura internacional. Uma do filósofo Gibran, descrevendo a amizade como a onda que vem do alto mar, beija a praia e volta levando as saudades da areia e se faz um só corpo. Outra do Pequeno Príncipe de Exupéry – Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Eta raposa sabida. Meio a esse entrelaçamento eis que ocorre uma dádiva na vida de Keu, a vinda de dois grandes e preciosos presentes para enriquecer mais ainda sua vida – as filhas Mariana e Daniela. O que melhor que os filhos? E a vida foi continuando... continuando. Então, Keu, na sua vivência, foi formando laços, mais laços, fortes liames de teia que não se rompem. E fazia de sua vida e de seus amigos, um de bem permanente, somando alegria e muito amor no coração e isto acabava despejando em noites de luar – e até sem lua – em memoráveis serenatas.

LINDA FLOR E HOJE QUE A NOITE ESTÁ CALMA.

Não ficava só na alegria. Ela tinha também o que fazer, oxente! Aí lhe tocou o tino comercial, talvez puxado do seu Zé. Como tinha o gosto pela música, do mesmo modo os seus manos, deu de presente para São Francisco um mimo para alegrar as noites com arte diversa – o Cantigas Bar. Que maravilha os saraus de artistas da terra e convidados, alegrando o público. Keu, naquele mundo encantado quase sempre se esquecia do seu lado empresarial e assumia o microfone desfilando belas e inspiradas canções com sua voz morna e romântica.

MÚSICA: SANDUICHE DE GENTE

A vida tem seu dinamismo, natural mutação comum aos bichos viventes. Vêm as mudanças. Umas boas, outras não. A não boa, de fazer correr água dos olhos, foi acompanhar o seu aceno de adeus. Adeus, rio; adeus, casario antigo; adeus serestas ... até logo amigos E aí veio o choro comprido, explodido aos cântaros. Quanta gente chorou já sentindo a saudade antecipada pela grande amiga Keu.. Ah! Doeu... como doeu!

MÚSICAS: CUITELINHO/ CHORAVA TODO MUNDO, MAS AGORA NINGUÉM CHORA MAIS

Agora, ninguém chora mais...

Ora, gente. Logo se viu e no peito sentiu, que tudo não passou de questão física, do dia a dia, porque a amizade mais profunda, o que se tornou, na turma toda coisa de coração uno, fez com que Keu fosse permanência. Ela nunca foi. Ficou. É nossa. Ninguém chora mais. Festeja. A cada tempinho temos motivos para deixar rebentar a alegria, como rebentam as águas do São Francisco fazendo canção nas pedras do cais. E então tudo se repete. Vira festa, rodadas de viola varando noite, comendo peixe frito e tomando cerveja.

MÚSICA: SAPATO VELHO

Senhoras e senhores, meninos e meninas. Eia Rio São Francisco. Assunta. Quieto aí angico branco sombreiro e testemunha de nossa alegria. Agora, aqui em nosso palco coração, chamamos a razão de nosso querer mor.

O ANIVERSÁRIO DE KEU

MÚSICA: FLOR MINHA FLOR (do Grupo Galpão)

Keu, viu só o que você faz no coração da gente? Mira só o brilho dos nossos olhos, o encantamento de nossas vozes e o bater de nossos corações. Viu o que se constrói com a força, a suavidade, a doçura e a beleza da amizade? Vamos repetir, mais uma vez, o Pequeno Príncipe para lembrar e mostrar quanta gente você cativou e, por isso, com eles tem compromisso de amizade e amor eterno.

Oiá aí, gente, neste momento chegamos ao final desta função de alegria e amor. Preciso é que isso aconteça com maior emoção ainda. Então, vamos todos, todos juntos cantar e mostrar, com as cordas do nosso coração que,

KEU NÃO ANDA SÓ!






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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

VISITA A UM PARAÍSO VIRGINAL



O Comitê da Bacia Hidrográfica SF9 – Afluentes Mineiros do Médio São Francisco reuniu-se, no dia 31 de agosto no município de Bonito de Minas. Os conselheiros tiveram uma calorosa acolhida no plenário da Câmara Municipal, quando foram saudados pelo prefeito municipal José Raimundo Viana na abertura dos trabalhos e pela vice-prefeita Vânia Carneiro. O plenário estava repleto com o público formado por presidentes de entidades locais e estudantes, somando com os conselheiros na discussão de importantes temas ligados aos recursos hídricos e à revitalização do Rio São Francisco.
No segundo momento, foi oferecido um especial almoço aos conselheiros, tendo como prato principal um dourado assado com arroz de barriga, da arte culinária de Miguel - iguaria de primeira, mesmo sabendo que a especialidade local, na culinária, é a paçoca de carne seca. O almoço foi servido na secretaria municipal de Educação, estando à frente o próprio secretário municipal de Educação.
Terceiro momento: visita ao balneário do Catulé. Se todos estavam felizes com a recepção que fora feita ao CBHSF9, ali, às margens do Catulé, os conselheiros se sentiram muito melhor à beira de um paraíso. O rio vem do alto, nascido em diversas locas aos pés de buritis, descendo dali abrindo caminho entre pedras, deslizando-se sobre lajes acinzentadas, rolando seixos brilhantes, fazendo dançar algas verdes e vermelhas, folhagens de samambaias e beijando, aqui e acolá, troncos de buritis. É uma pena que às imagens não foi possível juntar a cantiga do rio. A mais pura canção da natureza. Vejam as fotos solfejando a canção Chuá, chuá – vai dar para sentir mais o encanto.
O Catulé se encontra em estado virginal, com fartas águas numa estação do ano (agosto/setembro) em que tantas outras fontes da região estão secas e que, cortando o cerrado não têm os olhos a graça do verde. Contemple-se ali uma visão do éden em um mundo de sequidão.
Bonito de Minas nos dá um bonito exemplo de como conservar, preservar e respeitar a natureza. O que se faz no mundo, destruindo a Terra, muitas vezes por ganância, tem ali um modelo de uma vida mais saudável e de boa relação entre o homem e a natureza. É possível sim alcançar o desenvolvimento sem destruir o meio ambiente.
Bonito de Minas é bonito de se ver... e ficar!


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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

DIA INTERNACIONAL DO FOLCLORE


A primeira lembrança é a do inglês William John Thons que no dia 22 de agosto de 1846 fez o primeiro enunciado do vocábulo folclore. Depois, navegando pelas mansas águas do Rio São Francisco, vamos içar a alma do mestre Saul Martins que, por certo, ali foi repousar depois de seu encantamento. Era ele o mestre do nosso folclore, o que mostrou as belezas e grandezas da nossa cultura revelando a alma de nossa gente com tanto zelo. Ele, que ao lado do mestre Aires da Mata Machado e outros fundaram a Comissão Mineira de Folclore, instalada em 19 de fevereiro de 1948. Deixando as barrancas do rio, avançamos pelo córrego Angical até nos desviar para as barrancas secas da grota do Surucucu, encontrando uma humilde casinha fincada no tauá, numa suave lombada sob a sombra de solitário pé de xixá entrelaçado à copa de um umbuzeiro. Ali encontramos a luminosidade da figura do mestre Minervino acertando as curvas de uma viola ou mimo de uma rabeca, ajustando as folhas finas de imburanas e, depois do ofício completo, os solos de doces cantigas de ninar sertão.
Subindo o rio, pela estrada amarela, poeirenta, ou pelo alto das copas de aroeiras, tamboris e ipês, ganhamos a cidade fazendo pouso nas ruas onde ressoam caixas e violas e todos instrumentos do terno de folia de Adão Barbeiro. Eia! Tem folião saudando lapinha. Tem folião saudando São Pedro e Adão Barbeiro puxando o grupo com serenidade, com seu velho escudeiro, de olhar baixo e alma nas baquetas, o caixeiro João Pomba Triste. A viola repica acordes e neles repassa Adão Barbeiro que artista não morre. Encanta-se e fica por aí assistindo o mundo passar.
Ganhando o alto esbarramos na praça da Igreja Nossa Senhora Aparecida. Na esquina, com a rua São Romão, uma casa sossegada sem aparência de ser diferente das outras, mas no fundo, há de se lembrar do grande mestre Nego de Venança briquitando (como dizia o velho baiano Zé Domingos, do Campo de Sementes e Caio Martins) com instrumentos de vida nova – violas e rabecas, ou ressuscitando aqueles que ali chegavam, em sua oficina, aos cacarecos.
Vamos para as bandas do Sobradinho. Uma ruazinha nova, perto da capela. Uma pequena oficina montada para um mestre – Joaquim Goiabeira. Ali buscavam foliões de todos quadrantes as caixas de tamanhos variadas para empreenderem suas jornadas com os ternos de folias. Joaquim fabricava cada caixa com arte como se esculpisse uma obra de arte – e o era.
Pois é, neste Dia 22, Dia Internacional do Folclore, nossa comunidade rende homenagens aos nossos grandes mestres. Homens que com toda simplicidade (nisto se inclui o mestre Saul que apesar do vasto saber, era simples no contar, no transmitir, no sentir) enriqueceram a nossa cultura, deram uma dimensão especial ao nosso Folclore. Homens que traduziram, com sua arte, a nossa alma.




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quarta-feira, 28 de julho de 2010

FLORES DE JULHO


O mês de agosto é prenúncio da Primavera. A natureza ainda está em dormência, em estágio vegetativo. Grande parte das árvores está sem as folhas e aquelas que as suportam tem-nas amarronzadas, retorcidas, ressequidas, pedindo água. Flores são raras, tão raras. Eis que, sem dar aviso, porque está em seu ciclo, algumas espécies vão se adiantando nas vestimentas primaveris – querem ser as adiantadas da estação e nisto acabam se dando bem porque são as únicas distinguidas, mais notadas, no contraste vivaz com o triste cinzento. Tenho visto, por andanças pelo cerrado, em todas as épocas do ano, como vão acontecendo as mudanças na natureza e sempre me surpreendendo. Aqui, na orla do querido São Francisco, acompanho atento – ainda que em caminhar distraído nas manhãs de julho – sensíveis mudanças. Sempre estou de olho no tamboril, no ano todo. Agora, ainda no final de julho, está desfolhado sustentando apenas as sementes que esperam o momento para cair. Nada nadinha de verde senão ramos de teimosas ervas de passarinho. Faço fotos e mais fotos delas para que depois outros possam ver, admirar e acreditar no milagre da natureza no seu trabalho renovador milenar. E nas caminhadas vou me surpreendendo com as adiantadas. Acredito que algumas plantas são mais sensíveis às umidades distantes que possam passar pelo sub-solo, ainda que nada a sinalize no céu, limpo de nuvens. Algum veio de água deve furar bloqueios de pedras, barro ou tauá e vai procurando caminhos e, com isso saciando raízes mais profundas. Então, é o que se vê, o pajeú, árvore de beira de rio, sempre ali pregada nas barrancas, testemunha de grandes enchentes e terríveis secas, se vestindo de florada. Primeiro buquês verdes que logo vão se matizando passando para o vermelho. Verde-e-vermelho, flores às pencas cobrindo toda a fronde das árvores. É um tapete aéreo que vai refletir seu colorido nas águas do rio, nesta época tão cristalinas. Um pouco afastadas das barrancas, mas ali na orla, a caraibinha se arrebenta em flores brancas, mimosas e docemente perfumadas. O caminheiro ao dela se aproximar, ainda que sem assuntar, sente o arômata, passa e leva aquela lufada suave, doce, por um bom trecho de estrada. Soltas aqui e acolá, mais próximas do gradil que separa a barranca da avenida, sobem moitas de algodão manso. É uma plantinha tão comum na catanduva, nas matas secas e muito mais em terrenos de pedreiras e de solos áridos, de pouca água, que poucos dão ligança para ela, que não tem serventia. A única que sei é a de servir de brinquedo para as crianças explodindo, com os dedos, seus botões brancos, em formas de esferas ocas. E o que têm elas, então, para merecer uma atenção, agora? As flores. Tão delicadas e desenhadas flores, formam pequenos buquês e quando se abrem aprecia-se a engenhosidade de seus traços coloridos. E ainda não chegamos ao mês de agosto que é prenúncio da primavera. Aprecio tanto esta época de secura, de tristeza nas plantas, de vestimenta plúmbea, um mundo gris de raridade verdes. Árvores e mais árvores com galhos secos estendidos ao céu, sem uma folha sequer como se pedisse água, água, meu Pai. É preciso tanta tristeza assim para sentir o rebentar da vida que nos oferece, com toda pujança, a natureza, quando chegam as chuvas de broto de agosto e, depois a Primavera. É preciso o cinza triste para festejar o verde lustroso, e o colorido de tantas e tantas flores que se abrem por toda parte. Lá embaixo, cumprindo sua sina, vai o São Francisco deslizando mansamente. Agora mais mansamente do que nunca, tão carente de água, sufocado por tanta areia, mas sereno, bonito, tão bonito. Alheio à maldade do homem, o depredador voraz de cerrado, entumpidor de veredas e matador de nascentes. Com tanto descaso e agressão, a natureza resiste – ainda resiste – e o São Francisco cumpre sua sina e, os nossos olhos, a cada dia fascina.
Sim, tenho tanta inveja do tamboril porque não posso imitá-lo. De maio a julho ele se despede das folhas, se mostra seco, enrugado, cascas eriçadas, cinzentas, um quase morto. Vem chegando a primavera e ele vai soltando pequenas, pequeninas folhas verdes – uma duas, outras e tantas outras. No começo elas se mostram quase transparentes, translúcidas de quase poder vará-las com o olhar. Depois se tornam mais aglomeradas, mais densas e cobrem, como um manto verde, brilhante e viçoso, a fronde da árvore. É vida renascida, revigorada, pujante. Eu, a cada inverno, vou perdendo o vigor e viço físico que não se revigoram com a chegada da Primavera... vou me acinzentando, descendo o rio abaixo em meu inverno sem volta.

sábado, 17 de julho de 2010

ADEUS, MEU RIO SÃO FRANCISCO








Causa arrepios a visão de um quadro estarrecedor: bandos de mergulhões e quem-quens catando moluscos no meio do rio com a água mal cobrindo seus pequenos pés. Já não bastavam as imensas coroas e bancos salientes de areia entupindo os canais do rio para tanto nos assustar e criar uma perspectiva tenebrosa quanto ao destino do nosso consagrado rio. Agora, bandos de aves passeiam em suas águas sem molhar as penas. Essa visão nunca, jamais ter diante dos meus olhos acostumados ao namoro diário com o meu rio.
Ano a ano a situação do meu rio fica mais crítica e as perspectivas são as piores, afastando-se a esperança de um reversão a curto prazo se os cerrados ainda continuam sendo devastados, e há a ameaça de se liberar mais e mais desmatamento – do cerrado e da mata seca. Ganha-se por um lado, mas perde-se muito do outro. Na elaboração de leis modificativas de situações já estabelecidas numa região seria aconselhável consultas locais, ouvir as pessoas, trocar de idéias e vivenciar os problemas vividos pelos homens da terra – o que sabe as veredas e as nascentes que vão alimentar o grande rio. No caso das questões hídricas tudo é muito mais sério. Vê-se, de um lado, a situação dos produtores, a necessidade de ampliar as áreas de desmatamento para plantio de lavouras e pastos. No papel é fácil. A realidade é outra. No cerrado são-franciscano, por exemplo, o que se vê é outra situação. Não tem lavoura, nem pastos. Vai restando o deserto quando se tira a cobertura vegetal para alimentar as bocas de fornos das usinas. Ganhou-se um bom dinheiro por uns tempos. E depois? O que sobrou recompensa? Se alguém tem alguma ilusão a respeito, deveria visitar as áreas – imensas áreas devastadas – no distrito de Santa Izabel de Minas. Dezenas de veredas morrendo, muitas totalmente extintas. Vá percorrer o Vieira e o Acari e depois dê uma chegada no areal em que vai se transformando o Rio Pardo. Ali está o retrato de uma situação – a devastação do cerrado.
O Rio São Francisco é o retrato mais próximo e visível da situação. Longe daqui técnicos do governo ainda imaginam coisas espetaculares – transposição e hidrovia. No caso da primeira a cada dia vai ficando mais complicado, pois a água está diminuindo, diminuindo. No caso do segundo é possível uma transposição - de hidrovia para rodovia. É só esperar.
Vou lembrar aqui o final de uma crônica que faz parte do meu livro (neste Blog) “Do Cerrado às Barrancas do Rio São Francisco, com o título o rio São Francisco seca:
“Muito mais triste e pior será, se nada for feito para salvar o cerrado e sua gente. É factível de se imaginar, melancolicamente, se isso acontecer – ou deixar de acontecer o socorro – que alguém diante da calha do rio, de um topo qualquer, possa dizer com saudade a um jovem: - meu filho, este imenso trilho de areia que suas vistas hoje contemplam, outrora foi um majestoso rio, o mais importante do Brasil, o então falado rio da unidade nacional.”


Registro fotográfico da situação do Rio São Francisco no mês de julho de 2010, quando da reportagem feita pela Inter-TV.

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