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segunda-feira, 26 de abril de 2010

UMA GRATA VISITA

Recebi um reconfortante e-mail de um amigo que visitou este blog: Romeu Rodrigues.
Fiquei muito feliz por este reencontro, através das palavras, ainda mais por ele me levar a um passeio saudoso à nossa querida Caio Martins de Esmeraldas.
Obrigado, Romeu, por suas generosas palavras e estímulo., que reproduzo em meu blog como registro de uma grande amizade, o que faz também ao ser humano.

“Querido Professor João Naves,
Estava a navegar na rede, guiado pela saudade das coisas de minha raiz, quando me deparei com o seu blog e me encantei com tantas informações e boas lembranças.
O vigor e a profundidade do trabalho me encantou pela riqueza de detalhes das histórias do nosso povo.
Quanto ao brilhantismo intelectual do Professor/Autor, muito menos, pois graças a Deus tive a honra e o privilégio de desfrutar dos ensinamentos, da dedicação abnegada aos alunos da FUCAM, enfim de ter me torneado o caráter com as generosas mãos do Querido Mestre.
Contido no regozijo de minha alma, um forte abraço do seu eterno aprendiz.”

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EU E BRASÍLIA


Março de 2010, em companhia de minha esposa Vilma e do meu filho Eduardo e esposa, Nádia, ganhei o sertão urucuiano rumo a Brasília-DF. Voltaria, enfim, à Capital e a motivação foi a formatura de minha neta Larissa Naves no curso de odontologia da UnB, cortando o cerrado urucuiano e parte do planalto goiano até chegar à capital debaixo de muita chuva. Voltei ao passado, com imensas saudades...
Há trinta e um anos, com o mesmo tempo de chuva, estive em Brasília, e não mais. Acompanhei, com José Ribeiro – motorista da Fucam – o Cel. Almeida em uma viagem que teria como roteiro Belo Horizonte – fazenda Três Marias, no município de Bonfinópolis, Núcleo do Urucuia, São Francisco, Januária e Juvenília – Núcleo do Carinhanha. Saímos do roteiro, no primeiro dia de viagem, indo parar em Brasília, pois chovia e chovia demais, tornando intransitáveis as estradas de acesso a Bonfinópolis via João Pinheiro e, mais adiante, via Paracatu-Unaí. De impedimento a impedimento decidiu o Cel. Almeida que iríamos para Brasília. Estávamos na semana do carnaval de 1979, ano da grande enchente do vale do São Francisco.
Chegamos em Brasília debaixo de muita chuva. Céu turvo e fazia muito frio e nós sem agasalhos, pois deixamos Belo Horizonte com tempo seco. A noite caía. O Cel. anunciou que iríamos ao aeroporto aguardar a chegada da esposa dele que viria de Belo Horizonte. Gostei da idéia, pois assim poderia apreciar a chegada e saída de aviões, os jatos que tanto me fascinam. Eu guardava na lembrança a bela imagem dos Constellation, Douglas DC-7 – que levou a delegação brasileira à Europa da consagradora viagem de 1958 quando foi campeã do mundo -, e o pequeno Piper, Bonanzas. Seria a oportunidade de conhecer a nova geração, os jatos que não vira de perto. O que seria um deleite se transformou, no entanto, num verdadeiro suplício. Um vento frio, cortante, soprava na sacada do aeroporto, de onde tínhamos visão panorâmica da pista e pátio. Tremíamos como vara verde. Os lábios do Zé Ribeiro estavam roxos e pensei que igualmente deveriam estar os meus. Não adiantava o recurso de apertar os braços sobre o peito, o frio penetrava do mesmo jeito. Fiquei imensamente satisfeito quando o Cel. Almeida nos chamou dizendo que sua esposa não viria, ficara retida no aeroporto de Belo Horizonte, sem teto, também por causa da chuva que lá chegara depois de nossa partida. Fomos então para o apartamento dele. Foi a primeira vez que vi os famosos blocos residenciais de Brasília indo ao apartamento do coronel. Não deu para apreciar muito coisa, pois era noite e chovia muito. O apartamento estava fechado há algum tempo, estava com os sofás cobertos de panos que foram retirados com a nossa chegada. O coronel anunciou que sairia para cuidar de alguma coisa para comermos. O frio era ainda muito intenso o que me levou a saber dele se não tinha no apartamento uma bebida quente. Tinha, um litro de conhaque que bebemos, todo, sem cerimônia. Mais tarde o coronel chegou com uma pizza – o nosso jantar.
No outro dia, pela manhã, ainda com muita chuva, o coronel nos chamou para um passeio e lá fomos, levados pela filha dele, Maria Coeli, em um fusca. Saímos por uma avenida larga, comprida, deixando, de lado, os conjuntos de blocos. Bem longe o fusca deixou a rodovia entrando por uma pequena estrada que deu em um enorme portão. Dois homens com barbas cerradas, vestidos de batas negras, com capuz em forma piramidal e com medalhões dourados, muito grande, presos por grossas correntes, no pescoço. Deram boas vindas aos visitantes e abriram o portão, depois da identificação do coronel. De lá fomos a uma casa, quase à entrada. Ao descermos do fusca deparamos com várias pessoas chegando ao local, na maioria vestida com as batas negras, capuz e medalhão no peito. O céu estava coberto de nuvens negras, caía uma chuva fina, gelada, tudo criando um ambiente quase lúgubre. Zé Ribeiro estancou-se na porta do fusca, com os olhos arregalados, não conseguindo dar um passo à frente. Disse que não sairia do carro. Lá fomos nós. Fomos recebidos por uma senhora de cabelos negros, luzidios, semblante serenos, aparentando ter mais de 40 anos. O coronel anunciou que era a Tia Neiva que fiquei sabendo, logo a seguir, ser a líder espiritual daquele local que se chamava Vale do Amanhecer, que gozava de muito prestígio no meio político da Capital Federal. Apresentações feitas o coronel foi, com Tia Neiva, para uma sala reservada enquanto eu e Maria Coeli fomos visitar as instalações do complexo guiados pelo esposo da Tia Neiva. A primeira instalação que visitamos foi a livraria onde se via estampadas várias obras de cunho espírita, mais delas falando sobre o trabalho desenvolvido no Vale e, em especial por sua líder. Entre as publicações uma chamou-me a atenção. Falava sobre um planeta que se aproximava da terra e que causaria graves mudanças no clima, aumentando o nível das águas do mar, causando imensas inundações de terras litorâneas, avançando pelo interior. O local onde fora instalado o Vale do Amanhecer seria dos poucos preservados. O fato me causou forte impressão pelo tanto que chovia. Mais tarde, porém, teria motivos maiores para dobrar a preocupação. Continuamos o giro. O Vale tinha várias instalações, muitas casas para abrigar pessoas carentes, pontos de pouso para visitantes de cidades distantes e muitos galpões. O local é fantástico. Místico. Tem uma aura especial que pode até provocar uma sensação de paz... e medo diante do desconhecido. Chegamos a um plano superior onde foi construído um lago, tendo ao fundo, um palco muito grande e, nele, um altar de pedra forrado com tolha branca. Dos lados do lago, lápides de mármore, numa delas vimos um homem deitado de bruços com a testa apoiada nos braços, inerte, em profundo transe contemplativo. Quis saber o significado daquilo e o esposo de Tia Neiva disse que aquele lago era para atrair forças positivas e luzes do universo. Que eram realizadas cerimônias especiais para os contatos e fortalecimento espiritual. Mais abaixo foram erguidas algumas pirâmides. Fomos a uma delas. Numa parede frontal, ao lado da porta de entrada, um nicho e, dentro dele, imóvel, um dos homens de bata negra. No interior da pirâmide havia uma grande bacia de pedra, como uma pia batismal, que estava cheia de sal e, sobre ela, um pêndulo que vinha do alto da pirâmide tendo na ponta inferior um metal em forma de triângulo apontando para o sal. O marido de tia Neiva sugeriu que experimentássemos do sal que tinha força cósmica. E, logo a seguir perguntou se queríamos um passe o que seria feito por um dos guias ali presentes. Não aceitamos nenhuma das duas opções. Passamos a um plano inferior adentrando em um enorme galpão com uma largura próxima de 20 metros e o comprimento superior a 50 m. O interior era dividido em três partes – a nave central, mais larga, com bancos na parte baixa; cadeiras comuns, em menor quantidade; no maior e na parte mais elevada, cadeiras mais confortáveis e em número mais reduzido. Era a distribuição de acordo com a graduação dos obreiros das funções ali desenvolvidas. Nas laterais, separadas por uma passarela de 2m de largura, via-se vários compartimentos com a frente vedada por cortinas e, no interior delas, guias para receber as pessoas para os passes espirituais. No fundo,tomando toda a extensão da parede, um reservado fechado com grossa cortina. Saiam de lá muitos gritos e profundos gemidos. O marido de Tia Neiva informou tratar-se de espíritos rebeldes que estavam sendo expulsos. Tétrico.
Terminada a visita encontramos o Cel. Almeida na sala da casa de recepção conversando com Tia Neiva. Despedidas feitas, voltamos ao fusca onde encontramos Zé Ribeiro deitado no banco de trás, com a cara enterrada no banco. Não me assustei como Zé Ribeiro, mas sai dali impressionado, admirando aquele trabalho espiritual e social, carregado de misticismo, embora o clima chuvoso nos ter levado a um estado de tristeza o que pode ter prejudicado uma melhor visão de tudo o que nos foi mostrado.
À noite visitamos o filho do coronel, Fernando. Conheci outro bloco residencial. Voltamos ao apartamento do coronel. Ainda chovia, e muito. Aí ele nos assustou dizendo: “Vamos viajar amanhã. Passando pela estrada de Cabeceira de Goiás é um pulo até chegar à fazenda Três Maria. Coisa de 3 horas. Eu e o Zé nos olhamos apreensivos, pois ainda chovia muito.
Na manhã seguinte, como anunciara o coronel, viajamos sem levar um pedaço de pão como lanche porque três horas depois estaríamos na fazenda Três Marias.
Passei dois dias e duas noites em Brasília. O que vi foi uma imensa avenida, o Vale do Amanhecer, o aeroporto e dois apartamentos. De lembrança levei um livro do Vale do Amanhecer, aquele do planeta que se aproximava da Terra e iria exercer uma forte influência sobre ela - óbvio que depois de quatro dias de chuva ininterrupta e ainda de ter de penar mais dois dias seguintes, presos em estradas enlameadas debaixo de muita chuva sem poder chegar à fazenda Três Marias, fechando o roteiro da vigem em Buritizeiro, tudo debaixo de chuva. Em Buritizeiro, com o coronel querendo prosseguir na viagem para o Norte, sugeri que telefonasse para a diretora da Escola de Januária, Elzita, perguntando sobre as condições da estrada. Em reposta ela fulminou: “Coronel, vai para casa, o aterro (estrada de Januária) está debaixo das águas do rio São Francisco. Começava a terrível enchente de 79. Então como poderia ler o fatídico livro? Nunca o abri.

Trinta e um anos passados da minha segunda viagem a Brasília - a primeira foi em minha lua de mel, em 61, quando a capital era uma criança. Se das vezes anteriores pouco vi da cidade – a primeira foi quase de passagem e na segunda debaixo de três dias de intensa chuva – desta vez pude conhecê-la um pouco mais. Nem tanto quanto queria, pois não dei sorte nas visitas à Torre de TV (fechada com avaria); Catedral (fechada para reforma), memorial JK (proibido fotografar) e Praça dos Três Poderes em reforma para os festejos do aniversário. O que vi, no entanto foi o suficiente para ficar orgulhoso com o meu País, pela grandiosidade do povo brasileiro – poucos países no mundo têm uma capital como a nossa. A engenharia urbana, os jardins, os parques, os monumentos, a amplidão, a paz.

Agora de novo em Brasília – no DC como a tratam os locais dom carinho. Ainda que persistisse a chuva, procurei, nos dias que passei por lá, viver o tanto quanto possível a memória do grande mineiro, responsável pela criação da cidade, o inesquecível presidente Juscelino, o homem da fé, da concórdia, dos sonhos. Lá à entrada do memorial, fitando a imensa estátua dele plantada em uma torre, olhando o infinito, ouvi sua voz vaticinando, com sua “fé inquebrantável nos destinos do Brasil”: “Tudo transforma em alvorada nesta cidade que se abre para o amanhã”. E aconteceu.
Do otimismo ilimitado de Juscelino, como os infinitos daquele planalto, levei o pensamento a outros grandes artífices daquela obra do século: Lúcio Costa, o arquiteto que inovou o urbanismo com um plano inusitado, traçando a cidade na forma de uma cruz, para tantos, lembrando um imenso avião; Oscar Niemeyer com suas linhas modernas, surpreendendo o mundo da arquitetura, prédios de concreto que se projetam como luz resplandecente sob o céu azul profundo, sem limites, como um sonho, uma fantasia; Burle Max com seus jardins, os bosques, tudo tornando a cidade mais aprazível; Israel Pinheiro o grande administrador da obra fantástica e o engenheiro Bernardo Sayão. São nomes que, diante dos quais, devem se inclinar os brasileiros com orgulho e reconhecimento.
Voltei mais no tempo, encontrando o cientista Luis Cruls que chefiou a primeira expedição para demarcar no bravio planalto central o sítio onde deveria se erguida a capital do país, sonho de muitos anos antes de Dom Bosco (dizem os historiadores que Israel Pinheiro tinha uma imagem de Dom Bosco em seu escritório e que, com ele, conversava e cobrava quando as coisas não andavam bem nas obras).
Brasília, parabéns, cidade moça. Parabéns pelos cinquenta anos, por seu esplendor e pelo tanto que significa para nós brasileiros. E nossa singela homenagem ao presidente Juscelino e aos seus imediatos companheiros na implantação da capital, entre eles, sem dúvida, os humildes candangos que se fizeram, na verdade, uns gigantes.
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