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segunda-feira, 10 de junho de 2013

AS ROLINHAS




            As rolinhas (galinhazinha de Nossa Senhora) foram mencionadas numa crônica em que falei sobre a andorinha da cabeça azul, companheira de travessia do Rio São Francisco na balsa. Lembrei alguns comportamentos delas – sua mansidão, arrulhos, jeitinho de paz e como são carinhosas no juntar de um casal – são tantas as carícias com os biquinhos. Pois é, nesta semana em nova passagem pela lancha lá encontrei, como de costume, a andorinha. Voou serelepe, leve, ligeira, no alto e no baixo, raspando na água do rio e, depois de muitas peripécias, o pouso no mesmo cabo de aço. Falei das manobras dela, de suas viagens de carona no cabo de aço da lancha – ali sem quase ser notada, mas a todos observando com modo tão meigo. Alguém, desconfiado de minha história, foi conferir. Que bom! A andorinha não falhou, compareceu.

            Chegando ao meu destino, enquanto aguardava o momento de dar início ao trabalho para o qual fora convocado, sentado em um dos bancos de uma bela Praça de Pintópolis, espichando os olhos para mais além, quase querendo tudo gravar, eis que, na fiação da rua, placidamente, num majestoso namoro, deparo com um casal de rolinhas. Tudo que falei naquela crônica, por lembranças da era de menino travesso, brincando em lotes baldios, então se mostrou diante de meus olhos de homem feito. Elas vigiavam a cidade, lá do alto, como só elas existissem, sem se importar com nada. Cabecinha balançando de um lado para o outro, mas de modo majestoso, suave. E, de quando em quando, enroscavam-se com os pescocinhos. Dava para perceber as bicadinhas que o macho (penso que seria o macho, pois é o que mais toma iniciativa, no caso dos humanos) dava na fêmea, levantando, de leve, a pluma.

            O casal ficou lá no alto por bom tempo – o suficiente para que eu pudesse gravar a cena com minha Canon.

            Mais uma tarde de felicidade vinda do mundo animal, mais propriamente das aves. Meu tempo foi recompensado, na esticada além de São Francisco.

            Arrematando, na travessia de volta, já com o sol caindo sobre as matas além, tingindo o rio de múltiplas cores, pintando aqueles quadros que nossos olhos não cansam de admirar e que fazem a maior riqueza visual de nossa terra (o pôr do sol), no lusco-fusco, como dizia Kafunga, contemplei um casal descendo, quase de toa, o rio. Pressa não havia, nem precisava, pois o momento era de magia só, tanta paz. E de especial debaixo vinha de um grande guarda-sol que está voltando à moda aqui no cáustico sertão.

A  ANDORINHA



            É comum, agradavelmente repetitivo, ter na travessia de balsa no Rio São Francisco, a companhia graciosa de uma andorinha, invariavelmente pousada numa extensão de cabo de aço que prende a rampa de frente da embarcação. Cabecinha como a safira, capa negra reluzente como o azulão e o peitoral alvo, puro. Pousada fica por bom tempo, como a assuntar os passageiros, que, invariavelmente, não a percebiam ou se interessavam em sondar o porquê de sua constância no viajar de carona na lancha, esbanjando beleza. Pouco se davam por ela e, por isso, não acompanhavam a sua manha: de um tempo passado, ela voa, ganha o alto e dá vários rasantes lambendo a lâmina d´água do rio, quase a beijando, e depois, vai pegar carona na balsa que vem em travessia contrária. É o balé de todos os dias, observou uma barqueiro da lancha. Dos tantos que sondei sobre o belo passarinho, foi ele o único a dar notícia que também reparava no que ele fazia. Gente despercebida, os tantos outros que todos os dias estavam lá balsa de ida e vinda, quase tocando o cabo de aço onde se equilibra aquela formosura. De perguntar em perguntar, chamando a atenção de alguns passageiros para o passarinho, ninguém o nome soube me dizer. E minha curiosidade crescia, a cada viagem feita, sempre na frente da balsa para ter a companhia do belo pássaro. Aí, um dia, veio a resposta – do barqueiro que dos hábitos dele conhecia me informou: é uma andorinha.


            Bem, andorinha eu conheço, nunca naquelas cores tão belas. Sempre as via cortando os ares em duas cores somente – preto e branco. Menino eu as admirava. Creio que do meu conhecimento foram elas e as rolinhas, dos passarinhos, as primeiras dadas ao meu conhecer, ainda menininho, pelas ruas de minha terra. As andorinhas eu contava em fila nos fios da iluminação pública ou em vôos velozes como avião. Havia as pequenas, serelepes e as maiores, que muito nos chamava atenção porque tinham o rabo bipartindo, conhecidas, pois, como andorinha-tesoura. Eram maiores, porém graciosas.

            As rolinhas muito gostava, porque serenas se equilibravam nos galhos das mamoneiras do lote baldio onde com meus colegas eu brincava de Tarzan. Elas eram personagens do nosso mundo encantado. Sossegadas de Deus ter. Não se importavam muito com a gente. Agradava-me o canto delas - umas chamando as outras. Mais tarde, poeticamente fiquei sabendo tratar-se de arrulhos amorosos. E era, pois de comum era visto um casalzinho trocando carícias com os biquinhos delicadamente roçando o pescoço e as cabecinhas, uma da outra. Nunca gostei de jogar pedras em passarinhos. Qualquer que fosse, mas as rolinhas então, nem pensar, pois minha mãe dizia que elas era galinhazinhas de Nossa Senhora.

            De olho embevecido naquela andorinha singela, bela, solitária, mas graciosamente imponente, voei sertão adentro e fui esbarrar em Diadorim, numa praia do rio Paredão, declarando seu encanto por um passarinho, o Manuelzinho-da-Crôa: “ é preciso olhar para esses com todo carinho”.

            Pois é, passarinho está em toda parte, melhor quando está em nosso coração, evocando lembranças.