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terça-feira, 23 de novembro de 2010

MONTALVÂNIA: UM MERGULHO NO PASSADO

Começava o ano de 1952, quando uma cidade nasceu do ideal de um homem que descortinou novos horizontes em uma região lindeira com a Bahia, então sertão inóspito. Ele antecedeu em alguns anos, ao lançar a semente da nova civilização, à grande realização do Presidente Juscelino construindo Brasília. O que fez, no entanto, graças a sua inabalável determinação e as terras de sua fazenda que foram sendo fatiadas em lotes.
Ao plantar a sua cidade, iluminou-a com nomes de filósofos, compositores e escritores – lumes da civilização para inspirar jovens e habitantes da nova cidade para que tomassem gosto pelo saber. O futuro daria a resposta.
Antônio Lopo Montalvão, o homem, antes de tudo um sertanejo afeito à terra, mas com o pensamento vislumbrando o futuro, novos horizontes, querendo ir longe e até mesmo às estrelas. E se fez filósofo, espeólogo e, especialmente com a atenção voltada para a vida extraterrestre - buscando sinais de civilizações antigas ou de outras planetas nas cavernas da região. Assim ele fundou, levantando pedra a pedra, tijolo a tijolo, a cidade que iria ornar o extremo Norte-Mineiro, quase nas barrancas do Rio Carinhanha, divisa com a Bahia. Seria justo que ela ganhasse o seu nome, imortalizando o seu ideal: Montalvânia, a cidade de Montalvão.
A semente que plantou não foi apenas a cidade, mas o sentimento arraigado de amor à terra em cada habitante, revelando um desmedido amor às suas coisas. É o que se vê, hoje, quando conversa com pessoas da cidade que falam com tanto orgulho de suas realizações, de suas belezas naturais, destacando o encantamento pelo Rio Cochá que banha a cidade, daí criando até mesmo o carinhoso termo de tratamento dos locais como cochaninos.
Em um outeiro, dominando a cidade, onde Montalvão construiu uma casa para contemplar o nascer de sua cidade, os homens de hoje construíram um complexo cultural e histórico - nele um mirante encimado pela estátua de Cristo Rei que, às noites, brilha alcançando pontos da cidade. O complexo é ornado por um belíssimo jardim, cuidadosamente mantido. O local recebeu o nome muito significativo: Monte Lupino, outra referência ao fundador. É um marco visível da história, da cultura e do espírito de cidadania do povo de Montalvânia. Pois é, agora que voltei à Montalvânia, com a realização de uma reunião ordinária do CBHSF9, encontrando-a tão moderna, desenvolvida e bonita e, sobretudo, com um povo que se orgulha dela, mergulhei no passado, à minha adolescência. Dezembro de 1953. Montalvânia não era mais do que a fazenda de Montalvão e algumas casas (lembro-me apenas da dele). Eu estudava o curso normal na Escola Caio Martins de Esmeraldas, quando de lá partiu, no mês de setembro de 1953, uma Bandeira (doze jovens caiomartinianos preparados na Escola de Esmeraldas para a missão de desbravar o sertão) para fundar o Núcleo Colonial do Carinhanha, hoje Juvenília. Em dezembro a direção da Escola designou um grupo de jovens estudantes (meninos três deles - eu, Raimundo e Holmes - os outros mais velhos) para dar apoio à Bandeira. Viajamos de Januária a São Sebastião dos Poções na carroçaria de um caminhão que levava mercadoria para Cocos - Ba. De São Sebastião dos Poções à fazenda de Antônio Montalvão seguimos caminhando. Dura jornada.
Na fazenda fomos recebidos pelo proprietário que, no terreiro praticava tiro ao alvo, o que muito nos preocupou. Ele nos acolheu carinhosamente - “os filhos do Coronel Almeida” - dizia ele. No outro dia nos levou em seu jipe ao Núcleo onde permanecemos durante três meses trabalhando em setores diversos - a minha tarefa e do Raimundo era bater tijolos - os tijolos que levantariam as primeiras casas do Núcleo. Lembro-me que quando de uma visita do Coronel Almeida ao Núcleo, ali chegou, também, Antônio Montalvão e o que ficou na minha lembrança foi ele e o coronel fazendo numa disputa de natação no Rio Carinhanha - eu torci ardentemente pela vitória do Cel. Almeida que perdeu a disputa. Anos mais tarde, já como professor e diretor de Centros e Núcleos da Fundação Caio Martins, durante uma década passei por Montalvânia seguramente seis vezes por ano. De uma feita, quando caiu um intenso temporal na região, nosso carro ficou retido do outro lado da Grota do Paiol cuja ponte fora arrastada pela enchente. Deixamos o carro, atravessamos a água agarrados em uma grossa corda presa de barranco a barranco e fomos para Montalvânia onde ficamos dois dias à espera de socorro aéreo, o que não aconteceu. Teríamos de viajar por terra, então, mas a cidade estava ilhada, carros pequenos não podiam vencer o trecho de saída, numa baixada, totalmente tomado pela água de um córrego. A solução foi contratar um caminhão para transportar uma rural que fretamos para transpor a área alagada. Assim foi feito. Mais tarde, como diretor da escola Caio Martins de Esmeraldas estreitei mais ainda os laços com Montalvânia através de seus filhos e filhas que foram cursar naquela escola - Curso Técnico em Agropecuária e Magistério. Foram muitos deles, hoje cidadãos destacados, muitos de volta à região onde prestam serviços em várias áreas. Isto me alegra muito.
Agora, voltando à Montalvânia, mergulhei no passado e quando cheguei às margens do Cochá, vendo-o ainda tão bonito, tão farto de água, senti-me atravessando uma mata fechada, pisando em grosso tapete de folhas secas que estralavam à medida que avançava os passos, às vezes assustado com o agitar de asas de belos jacus e rezando para não encontrar com uma onça pelo caminho, tudo para chegar às margens do Cochá que ficava bem acima do Núcleo. Lá estava ele descendo suavemente totalmente coberto pelas copas de altaneiras árvores, nem uma nesga de luz e, por isso, suas águas tinham uma tonalidade escura.
Agora volto a encontrar o Cochá e com um propósito - juntar com o pessoal de Montalvânia, em especial com o vice-prefeito Horácio Sales e o escritor Almir Sabino que, em seus depoimentos no transcorrer da reunião do Comitê, revelaram a grande paixão pelo rio, para, também, lutar pela preservação dele. Dou-me, assim, muito feliz pelo reencontro. Mais ainda pela maneira tão carinhosa, hospitaleira e calorosa com que fomos recebidos pelos amigos de Montalvânia. Não tem jeito, é repetir, Exupéry - “Tu te tornas eternamente por aquilo que cativas”. Viu só, Montalvânia? Voltei e sou um dos seus, cativado que fui.




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2 comentários:

  1. Prezado Joao,
    Parabens pela postagem. Morei em Montalvania em 1966 e 67 apos o falecimento do meu irmao, Roberto Scheibe, piloto/missionario. Desde 73, nunca mais voltei mas Montalvania me cativa ate hoje.
    abraco,
    Steve (sscheibe@allabroad.org)

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  2. Montalvânia e um lugar cheio de histórias que devem ser sempre lembradas. Bela postagem. Grande Abraço. S. FRANKLIN

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