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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

BOI-DE-REIS EM SÃO FRANCISCO


"Todo mundo me dizia/ que este boi não saía/ meu boi está na rua/ com prazer e alegria/ saiu, saiu/ saiu daqui agora,/ saiu meu boi moreno/ neste instante, nesta hora".


A alegria invade a rua, despontando com toda volúpia comanda pelas caixas com repique de forte ritmo e o vozerio se levantando aos ares – uns cantando, outros aplaudindo e dezenas de crianças arreliando. É Natal. Os grupos esperam o dia 1º do ano, seguindo a tradição da jornada dos Três Reis Magos, para começar suas andanças, cruzando com os ternos dos foliões de Reis.
Tempos passados o Boi-de-Reis, do jeito da cidade, era mais modesto, menos espalhafatoso e acompanhado por um séqüito quase reduzido aos próprios participantes que levantavam com as precatas a poeira das ruelas da cidade – mais bucólico e romântico, pois se ouvia as caixas, então de cedro ou tamboril, com couro de veado, acompanhadas de violões e violas. A chamada do boi que guardava uma certa distância da casa onde ele era "comprado" já valia o espetáculo. O coral, geralmente de mocinhas e crianças dos bairros pobres da cidade anunciava: "Todo mundo me dizia que este boi não saia..." A letra era uma resposta orgulhosa a quem ousava desafiar que o boi não sairia. Depois da chamada, quando o boi chegava saracoteando e se postava mansamente à frente da casa, uma voz apaixonada ganhava os ares, parecia arrancada do fundo da alma gemendo o primeiro verso:

"Levanta, boi, vem comê capim/ ôi! dona da Casa, tenha dó de mim. Segunda-feira, sábado, domingo choveu, na porta do seu Domingos, foi que meu boi morreu!"

Explodia o coral:


"Ei boi! Levanta meu boi!. Ei! boi, abre a roda meu boi!. Ei boi, arremete o vaqueiro! Ei boi! abra a roda meu boi!"...


e boi ia obedecendo as ordens numa belíssima coreografia, com a chita colorida (o seu couro) se inflando como balão ao sopro do vento nos seus volteios frenéticos, sacudindo como se acometido de violento sezão – avançava no rumo da assistência e se estancava com os chifres em cima do peito da menina espantada; rodopiava e voltava para o meio do terreiro e, depois, arremetia-se para o outro lado da roda, rodando, rodando, até receber a ordem do sossego:

"Amaia meu boi! Amaia, meu boi! Amaia, meu boi!"

era para ele, mansamente, arrear as pernas e descansar um pouco (folga merecida e necessária para o dançarino que, do lado de dentro erguia a pesada armação de varas revestida de panos coloridos e couro, fazendo com que ela tremesse toda, sacudisse violentamente e, ainda exibisse uma terrível coreografia de rodopiar e investir contra vaqueiros e assistentes). Os vaqueiros e as catirinas, na folga, conversavam com os tocadores, outros brincavam com o público, enquanto uma equipe cuidava de reanimar o boi aplicando-lhe injeções e ministrando-lhe doses imensas de elixir. O coral retornava depois do descanso, precedido da mesma voz apaixonada chamando o boi para a lida e tudo se reiniciava até que fosse determinado ao boi:

"Vai saindo, meu boi! Vai saindo, meu boi"

e ele deixava a praça, sacudindo-se todo, para desaparecer na escuridão. Os repiques das caixas redobravam e ficavam mais frenéticos entrando na cadência do "Carneiro", e ecoavam as vozes:

"Olê-lê-lê, Carneiro dê! Olá-lá-lá, Carneiro dá! Quem quisé carneiro manso, manda o vaquero amansá",


e a praça era invadida pelas catirinas que com os vaqueiros repetiam as amarradas dos carneiros no ritmo das caixas e da música. Dançavam e dançavam até serem dispersos pela invasão inesperada do "Bicho Tamanduá" –

"Ei que bicho é aquele que vem acolá? É o bicho Tamanduá”!

E o bicho Tamanduá com sua roupagem de palha, da cabeça aos pés – imitando capa de carocha, vinha rolando no chão, agarrando e arrastando vaqueiros ou catirinas. Era uma dança muito dinâmica, agitada pelas batidas fortes e aceleradas das caixas com o reforço do coral numa cadência onomatopéica:

"que bicho é aquele que vem acolá? É o bicho tamanduá!”.

Estava o bicho a rolar pelo chão com vaqueiros e catirinas, quando adentrava na praça, dançando com graça e leveza, tão mimosa e encantada, a "Mulinha de Ouro" –

"Mulinha de ouro, é ouro só”!...

Depois do seu rápido e belo bailado ela deixava espavorida a praça que era tomada pela onça:

"Oiá a onça no pau! Cachorro nela!. Oiá a onça no pau! Cachorro nela”!...

Começava renhida luta entre a onça e os vaqueiros. Cessavam, enfim, as vozes e as caixas. Os agradecimentos. Meninos curiosos queriam proximidades com o boi e a mulinha – de preferência –, mas se encolhiam quando aproximavam a onça e o bicho tamanduá... O silêncio era de novo quebrado: as caixas voltavam ao repique e o coral retomava o refrão desafiador - "todo mundo me dizia...." – e, se arrastando, o grupo buscava outra praça, deixando saudades.
No dia 6 de janeiro fazia-se uma grande festa na casa do Imperador. Era a matança do boi. Muita dança e muito gole. Noite toda de alegria. Depois, só no começo do outro ano...
Não muito tempo era assim. Hoje, ocorreram muitas mudanças, são muitos grupos. Felizmente a tradição mantém-se firme e no gosto popular, principalmente das crianças (têm, às dezenas, os boizinhos de lata que zoam meses seguidos pelas ruas de seus bairros). Dois grandes ternos fazem a festa no dias atuais: o do Messias, mais tradicional e formoso, que substituiu o de Adão, o mais famoso deles por muitos anos, em São Francisco e outro, o do bairro Sagrada Família. Conquanto guardem muito da coreografia e da música tradicional, eles processaram muitas mudanças no folguedo. O que importa é que, entra ano e sai ano, desponta o boi nas ruas, invade a cidade, ocupa as suas praças e arrasta multidões noite à dentro, todos repetindo com imensa alegria: "Todo mundo me dizia que meu boi não sai..." e o teimoso todo ano sai com prazer e alegria.

Histórico

É uma representação dramática (feita ao ar livre) em torno da vida, morte e ressurreição de um boi (o personagem travestido de boi mete-se embaixo de uma armação de madeira coberta por uma capa, a cabeça é feita da carcaça de um boi, coberta de papel de seda). O enredo apresenta Pai Francisco, vaqueiro cuja mulher, Catirina, está grávida e tem o desejo de comer o fígado ou o coração de um boi. Como eles são pobres, Francisco resolve matar o boi de estimação do patrão. Na hora que o boi está sendo morto, chega o dono e exige que o animal ressuscite. Entram, então, em cena, inúmeros personagens: o doutor, o curandeiro, o bicho tamanduá (folharaz) a onça, a mulinha-de-ouro, as catirinas e vaqueiros.

Segundo Câmara Cascudo o “boi” parte desses dois personagens: Pai Francisco (preto velho) e Mãe Catirina (sua mulher) . Pai Francisco mata um boi muito precioso do seu patrão para satisfazer os desejos da mulher, Catirina. O auto reproduz a história, mostrando a morte e repartição das entranhas do animal e depois o trabalho do curador para ressuscitá-lo, diante da revolta do dono.
Deve ser a razão de aparecerem tantas entidades nas histórias: índios, curadores, bichos – muitos de acordo com a região. É o mundo fantástico das entidades de acordo com o gosto e crença popular.
O boi-de-reis de São Francisco guarda muita semelhança com o bumba-meu-boi do Maranhão, conforme descrição da Câmara Cascudo. A diferença existe é quanto a ocorrência. Enquanto em São Francisco se dá no solstício de Verão, mais propriamente no mês de janeiro, no Maranhão ele ocorre de maio a outubro, com o clímax em junho. No Maranhão, segundo registra a Comissão Maranhense de Folclore, o bumba-meu-boi “é um brinquedo de fé e devoção, uma forma de oração. Ainda hoje o boi é concebido e dançado e cantado em homenagem a santos católicos, mas também a entidades espirituais cultuados nos terreiros de tambor de mina, umbanda, pajelança, entre outros. O catolicismo é uma das concepções religiosas mais presentes na brincadeira. Essa ligação é estabelecida a partir da relação dos boieiros com os santos do período junino e, especialmente, com São João.”
As personagens do boi-de-reis de São Francisco origem, também, no bumba-meu-boi do Maranhão que refletem a multiplicidade de símbolos ritos e mitos provenientes da ligação estreita entre o universo das religiões afro-maranhense.
O boi-de-reis de São Francisco não guarda nenhum liame com a religiosidade. Não passa de uma recreação, folguedo folclórico. As músicas entoadas não fazem nenhuma alusão a divindades ou entidades, mas tão-somente contam a história do boi e narram as interferências de várias personagens, como numa ópera bufa.


MÚSICA:

Todo mundo me dizia
Que esse boi não saia
Meu boi está na rua
Com prazer e alegria

Saiu, saiu daqui agora
La vem meu boi moreno
Neste instante nesta hora

Levanta, boi
Vem comer capim
Ei dona da casa
Tenha dó de mim

Segunda-feira
Sábado e domingo choveu
Na porta de ...
Foi que meu boi morreu

Ei boi... Ei boi...
Levanta meu boi
Ei boi... Ei boi...
Abra roda meu boi
Ei boi... Ei boi...
Afacera meu boi
Ei boi... Ei boi...
Amaia meu boi
Ei boi... Ei boi...
Vai saindo meu boi


CANTO DAS CATIRINA (grupo formado por homens com vestimenta de mulheres lembrando a mulher do pai Francisco)

Olê, lê, carneiro dê!
Olá, lá, carneiro dá!.
Quem quisé carneiro manso,
Manda o vaquero amansa.

Larga seu marido, muié,
Vem morá mais eu.
Seu marido é ruim, muié,
Quem é bom sô eu.


BOIS DE REIS MAIS TRADICIONAIS DE SÃO FRANCISCO

1. Boi do Adão, do Matadouro, hoje Santo Antônio (não existe mais)
2. Boi do Messias – bairro do Quebra
3. Boi da Sagrada Família

Existem, a cada ano, boi de reis de crianças, principalmente no bairro Quebra e Rua Direita que alegram bairros da cidade por todo o mês de janeiro.

FESTIVAL DO BOI DE REIS

Em dois anos seguidos São Francisco está revivendo o esplendor deste folguedo que já fez tanta alegria ao são-franciscano. Neste ano a secretaria municipal de Cultura promoveu o II Festival do Boi de Reis apresentando dez grupos (de todos os bairros da cidade) na Praça Centenário, reunindo um formidável público na noite do sábado 7. O cenário ficou bem apropriado com a instalação uma arquibancada que pode acomodar, confortavelmente, muitas pessoas, completado com ótimo serviço de som.
O público da arquibancada e espalhado em volta das cordas de segurança, na avenida Presidente Juscelino, aplaudiu com entusiasmo o espetáculo. Luzes de refletores, câmaras filmadoras e fotográficas, incendiaram a praça e o primeiro boi chegou com toda animação. Sentiu-se, com ele e seu séquito, em plena função, o quanto o são-franciscano gosta desse auto natalino – gritos e palmas marcaram a intensidade da emoção. Outros grupos foram chegando com o mesmo entusiasmo – dos dançarinos e do público que, na parte do chão, passou pelo isolamento e fez uma grande roda bem próxima dos protagonistas maiores do espetáculo.
Há muito não se via um público tão expressivo, participativo e feliz, como naquela noite, acompanhando cada passagem dos grupos. Tanto entusiasmo para se apresentar que, de última hora, apareceu o “Boi de Reis do Centro”, que não fora inscrito. Assim mesmo conseguiu um espaço na final para dizer também que seu boi saiu e estava na rua com muito prazer e alegria.
São Francisco foi revivida e, mostrou, mais uma vez, a força do seu folclore, a beleza dos seu folguedos, o prazer e envolvimento do seu povo.
Adalgisa – da secretaria de Cultura – e sua equipe que tanto lutou na preparação do evento e conseguiu realizá-lo com tanto brilhantismo, estão de parabéns. Eles valorizaram e ajudaram a perpetuar a nossa cultura. E mais, fizeram com que essa rica manifestação tivesse maior expressão ainda, considerando que, na região, é São Francisco a único município que mantém a tradição do boi de reis com tanta expressão e número de grupos.

PREMIAÇÃO

O júri, ao final da apresentação dos bois, decidiu observando os seguintes quesitos. Saiu vencedor o tradicional boi de reis do Quebra, comandado pelo Messias; 2º lugar Boi de Reis da Sagrada Família e 3º lugar o boi de reis do bairro Bandeirante.
Foi uma belíssima festa.


















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A ENCHENTE DE 2012








Porto do Quebra

Rio São Francisco, meu muito amado Rio São Francisco, tão belo, gracioso e surpreendente em todas as eras do ano. Na seca, quando mostra seu corpo quase feito de areia dourado - nas praias ou coroas que crescem como ilhas onde faz o Quem-quem o seu ninho; tempo em que escorre no seu lento caminho, com tanta suavidade que sua música somente se ouve no silêncio da noite ou na frescura da aurora; que tem águas claras que se mostram de verde suave; o espelho reluzente esconde seu leito raso e dá de pensar que está tão farto de água; os barrancos se mostram de todo, com o emaranhado do capim braço-duro segurando o barro e as raízes do pajeú fincadas em suas pedras - como é belo. Na cheia, o espetáculo nos remete ao grandioso. Não mais barranco com capim - as águas fortes, barrentas, lambem as copas das árvores, onde o canoeiro atraca sua embarcação e pula à terra pelo galhos; desce com força incrível, águas revoltosas, ondas saltitantes, levando tufos de garranchos, pequenas ilhas de aguapé e vai fazendo uma faxina geral no que o homem, sem escrúpulo ou saber do belo, nele atirara seus restos. Na enchente ele apronta muito, mas não assusta tanto como quando está seco. O medo da falta de água é muito maior que o excesso dela. A falta de se remedia; o excesso deixa mais lucro, ainda que se perca uns roçados, mas fica uma terra bem molhada e adubada. Na seca a travessia das barcas é prejudicada porque o canal fica entupido de bancos de areia, tão difíceis de serem removidos; com a enchente não há esse risco - a preocupação é com os portos que precisam ser mudados, em busca de pontos mais altos - a travessia, assim, vira um passeio de muitos minutos, quase hora no desce e sobe de mais lonjura.
A enchente, por não ser repetida a cada ano, quando vem, vira atração. A cidade entorta-se, todo movimento vai para orla - da Praça dos Pescadores até à Lagoa da Luzia. Na praça dos Pescadores o porto improvisado. E ficam apinhados os bares - de viajantes e curiosos, que ver movimento é bom. Na frente da Igreja, onde se inaugurou a cidade de São Francisco, então Pedras de Cima, ali do Cruzeirinho, tendo ao fundo a majestosa torre da matriz de São José, pára-se para contemplar extasiado a carreira do rio com suas águas velozes, roncando, a beijar as pedras onde em noites enluaradas cantou a Iara, a nossa sereia, e os troncos do pajeús remanescentes. Mais na frente é grande a concentração de pessoas junto à balaústre com os pés quase dentro d´água, tendo à frente o belo Peixe-Vivo, de tanta fama e histórias. Passa-se, depois pela esquecida barca de um belo projeto que não vingou e,ali, a cada ano, se entupindo de lama - que desperdício. Depois, a visão é de um ranchinho plantado nas barrancas do rio, agora ilhado. Chega-se ao belo clube campestre Carquejo que virou uma ilha inundada - só o telhado não foi tomado pelas águas. Nossa! Que beleza! Diz o passante diante do espetáculo sem lembrar dos prejuízos da turma do clube. Por fim chega-se à ponta da Lagoa da Luzia que se transformou e um imenso lago - aí sim, que beleza e sem causar prejuízos.
O São Francisco beirou os dez metros (9,75m no domingo 15). Deixou muita gente apreensiva, mas não causou tantos estragos nas propriedades barranqueiras. Muita gente foi socorrida pela Defesa Civil Municipal, sendo alojada em prédios públicos, na cidade. Depois, abaixando as águas, voltam às suas casas e a vida retorna ao normal. Assim foi sempre. Assim será, pois o rio tem sua missão - correr buscando o mar, seco ou cheio, mas sempre ali. Graças a Deus.














Bar Recanto das Pedras, na barranca do Rio.


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Mirante da Matriz

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Pesca do Camarão


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Peixe-Vivo



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Clube Campestre Carquejo



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Ranchinho isolado


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Lagoa da Luzia


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Para os barranqueiros são-franciscanos distantes, que não viram a beleza da enchente deste ano, passou umas fotografias. É para matar saudades barranqueiras.