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quarta-feira, 28 de julho de 2010

FLORES DE JULHO


O mês de agosto é prenúncio da Primavera. A natureza ainda está em dormência, em estágio vegetativo. Grande parte das árvores está sem as folhas e aquelas que as suportam tem-nas amarronzadas, retorcidas, ressequidas, pedindo água. Flores são raras, tão raras. Eis que, sem dar aviso, porque está em seu ciclo, algumas espécies vão se adiantando nas vestimentas primaveris – querem ser as adiantadas da estação e nisto acabam se dando bem porque são as únicas distinguidas, mais notadas, no contraste vivaz com o triste cinzento. Tenho visto, por andanças pelo cerrado, em todas as épocas do ano, como vão acontecendo as mudanças na natureza e sempre me surpreendendo. Aqui, na orla do querido São Francisco, acompanho atento – ainda que em caminhar distraído nas manhãs de julho – sensíveis mudanças. Sempre estou de olho no tamboril, no ano todo. Agora, ainda no final de julho, está desfolhado sustentando apenas as sementes que esperam o momento para cair. Nada nadinha de verde senão ramos de teimosas ervas de passarinho. Faço fotos e mais fotos delas para que depois outros possam ver, admirar e acreditar no milagre da natureza no seu trabalho renovador milenar. E nas caminhadas vou me surpreendendo com as adiantadas. Acredito que algumas plantas são mais sensíveis às umidades distantes que possam passar pelo sub-solo, ainda que nada a sinalize no céu, limpo de nuvens. Algum veio de água deve furar bloqueios de pedras, barro ou tauá e vai procurando caminhos e, com isso saciando raízes mais profundas. Então, é o que se vê, o pajeú, árvore de beira de rio, sempre ali pregada nas barrancas, testemunha de grandes enchentes e terríveis secas, se vestindo de florada. Primeiro buquês verdes que logo vão se matizando passando para o vermelho. Verde-e-vermelho, flores às pencas cobrindo toda a fronde das árvores. É um tapete aéreo que vai refletir seu colorido nas águas do rio, nesta época tão cristalinas. Um pouco afastadas das barrancas, mas ali na orla, a caraibinha se arrebenta em flores brancas, mimosas e docemente perfumadas. O caminheiro ao dela se aproximar, ainda que sem assuntar, sente o arômata, passa e leva aquela lufada suave, doce, por um bom trecho de estrada. Soltas aqui e acolá, mais próximas do gradil que separa a barranca da avenida, sobem moitas de algodão manso. É uma plantinha tão comum na catanduva, nas matas secas e muito mais em terrenos de pedreiras e de solos áridos, de pouca água, que poucos dão ligança para ela, que não tem serventia. A única que sei é a de servir de brinquedo para as crianças explodindo, com os dedos, seus botões brancos, em formas de esferas ocas. E o que têm elas, então, para merecer uma atenção, agora? As flores. Tão delicadas e desenhadas flores, formam pequenos buquês e quando se abrem aprecia-se a engenhosidade de seus traços coloridos. E ainda não chegamos ao mês de agosto que é prenúncio da primavera. Aprecio tanto esta época de secura, de tristeza nas plantas, de vestimenta plúmbea, um mundo gris de raridade verdes. Árvores e mais árvores com galhos secos estendidos ao céu, sem uma folha sequer como se pedisse água, água, meu Pai. É preciso tanta tristeza assim para sentir o rebentar da vida que nos oferece, com toda pujança, a natureza, quando chegam as chuvas de broto de agosto e, depois a Primavera. É preciso o cinza triste para festejar o verde lustroso, e o colorido de tantas e tantas flores que se abrem por toda parte. Lá embaixo, cumprindo sua sina, vai o São Francisco deslizando mansamente. Agora mais mansamente do que nunca, tão carente de água, sufocado por tanta areia, mas sereno, bonito, tão bonito. Alheio à maldade do homem, o depredador voraz de cerrado, entumpidor de veredas e matador de nascentes. Com tanto descaso e agressão, a natureza resiste – ainda resiste – e o São Francisco cumpre sua sina e, os nossos olhos, a cada dia fascina.
Sim, tenho tanta inveja do tamboril porque não posso imitá-lo. De maio a julho ele se despede das folhas, se mostra seco, enrugado, cascas eriçadas, cinzentas, um quase morto. Vem chegando a primavera e ele vai soltando pequenas, pequeninas folhas verdes – uma duas, outras e tantas outras. No começo elas se mostram quase transparentes, translúcidas de quase poder vará-las com o olhar. Depois se tornam mais aglomeradas, mais densas e cobrem, como um manto verde, brilhante e viçoso, a fronde da árvore. É vida renascida, revigorada, pujante. Eu, a cada inverno, vou perdendo o vigor e viço físico que não se revigoram com a chegada da Primavera... vou me acinzentando, descendo o rio abaixo em meu inverno sem volta.

sábado, 17 de julho de 2010

ADEUS, MEU RIO SÃO FRANCISCO








Causa arrepios a visão de um quadro estarrecedor: bandos de mergulhões e quem-quens catando moluscos no meio do rio com a água mal cobrindo seus pequenos pés. Já não bastavam as imensas coroas e bancos salientes de areia entupindo os canais do rio para tanto nos assustar e criar uma perspectiva tenebrosa quanto ao destino do nosso consagrado rio. Agora, bandos de aves passeiam em suas águas sem molhar as penas. Essa visão nunca, jamais ter diante dos meus olhos acostumados ao namoro diário com o meu rio.
Ano a ano a situação do meu rio fica mais crítica e as perspectivas são as piores, afastando-se a esperança de um reversão a curto prazo se os cerrados ainda continuam sendo devastados, e há a ameaça de se liberar mais e mais desmatamento – do cerrado e da mata seca. Ganha-se por um lado, mas perde-se muito do outro. Na elaboração de leis modificativas de situações já estabelecidas numa região seria aconselhável consultas locais, ouvir as pessoas, trocar de idéias e vivenciar os problemas vividos pelos homens da terra – o que sabe as veredas e as nascentes que vão alimentar o grande rio. No caso das questões hídricas tudo é muito mais sério. Vê-se, de um lado, a situação dos produtores, a necessidade de ampliar as áreas de desmatamento para plantio de lavouras e pastos. No papel é fácil. A realidade é outra. No cerrado são-franciscano, por exemplo, o que se vê é outra situação. Não tem lavoura, nem pastos. Vai restando o deserto quando se tira a cobertura vegetal para alimentar as bocas de fornos das usinas. Ganhou-se um bom dinheiro por uns tempos. E depois? O que sobrou recompensa? Se alguém tem alguma ilusão a respeito, deveria visitar as áreas – imensas áreas devastadas – no distrito de Santa Izabel de Minas. Dezenas de veredas morrendo, muitas totalmente extintas. Vá percorrer o Vieira e o Acari e depois dê uma chegada no areal em que vai se transformando o Rio Pardo. Ali está o retrato de uma situação – a devastação do cerrado.
O Rio São Francisco é o retrato mais próximo e visível da situação. Longe daqui técnicos do governo ainda imaginam coisas espetaculares – transposição e hidrovia. No caso da primeira a cada dia vai ficando mais complicado, pois a água está diminuindo, diminuindo. No caso do segundo é possível uma transposição - de hidrovia para rodovia. É só esperar.
Vou lembrar aqui o final de uma crônica que faz parte do meu livro (neste Blog) “Do Cerrado às Barrancas do Rio São Francisco, com o título o rio São Francisco seca:
“Muito mais triste e pior será, se nada for feito para salvar o cerrado e sua gente. É factível de se imaginar, melancolicamente, se isso acontecer – ou deixar de acontecer o socorro – que alguém diante da calha do rio, de um topo qualquer, possa dizer com saudade a um jovem: - meu filho, este imenso trilho de areia que suas vistas hoje contemplam, outrora foi um majestoso rio, o mais importante do Brasil, o então falado rio da unidade nacional.”


Registro fotográfico da situação do Rio São Francisco no mês de julho de 2010, quando da reportagem feita pela Inter-TV.

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