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terça-feira, 11 de setembro de 2012

DEUS E O HOMEM NA ORLA

Manhãzinha. O sol aponta na linha do horizonte rubro, preguiçosamente esfregando o olho. Devagarinho vai desprendendo coloridos, tênues e brandos raios sobre a terra. No que restou da Lagoa da Luzia o cenário é deslumbrante, remete aos quadros clássicos dos maiores pintores. Na linha de fundo, contornando a lagoa, assoma uma fileira de pajeús com as frondes coloridas por buquês de flores vermelhas; seguindo para a margem da lagoa uma faixa verde de alagadiço, que enfrenta viçoso a seca e, depois dele, um tapete fenado de bengo, onde vacas distraídas fazem o repasto matinal, depois de esvaziarem o rúmen na noite passada. Pintas brancas saltitantes mostram um bando de garças tentando alguns peixes, dos que restam da lagoa que vai secando. De lá, descendo pelo rio, passa-se por um bosque, que viçoso foi quando chovia, mas que ainda é belo no seu forte colorido marrom. De um lado e de outro da avenida que acompanha a orla, mostra-se o efeito da seca. A grande maioria das árvores se revela de todo com seus galhos espetados ao céu. Nada de verde; tudo amarronzado. Antes, com as densas copas, formava-se um paredão verde intransponível, os olhos nada alcançavam depois dele - deixando no mistério o que se guardava na lagoa, enquanto tinha água. Tudo seco, tão seco como paisagem morta. Na caminhada, algumas mudanças, mas nem tantas. Os portentosos tamboris nem uma folhinha guardaram para o período, só a galharia pelada, desnuda. De se ver, assim, é possível imaginar que tudo morreu com a seca. De repente os olhos alcançam, primeiro, as copas dos pajeús – cobertas de flores vermelhas que dias antes eram verdes.
Outra boa impressão que chega e encanta: primeiro, um agradável olor e, depois, uma doce canção. O perfume é das mimosas flores brancas que vão se tornando vermelhas, da caraibinha branca – que suave, agradável e envolvente perfume! A canção vem do ruflar de centenas de pequenas abelhas sugando o néctar das mimosas flores. No chão tórrido, aqui e acolá, abrem-se, de cipós estendidos, flores roxas. Ao desavisado passante de apenas uma era, o cenário é triste, desanimador, é o poder da intensa seca. Não o é, contudo, para aqueles que são caminheiros do ano todo pela orla, com os olhos e os corações atirados para a beleza que ela guarda, tendo lá embaixo, como espetáculo maior, o Rio São Francisco no seu eterno deslizar. Aquele cenário tão seco, de aspecto tão árido, tem sua beleza própria, do seu tempo. No mais, ele nos cria uma expectativa, a espera do verde que vem com o estourar da Primavera, com as primeiras gotas que caírem do céu. Aí, chegam, primeiro, as miúdas e translúcidas folhas do tamboril e, depois, outras árvores logo se revestem de roupagem de denso verde. Na minha contemplação que é de espera, repito um verso de Luiz Carlos, do soneto Exortação: “que fora o claro se não fora o escuro?”.
Em tudo que vejo na natureza, em especial na orla do querido São Francisco, sinto a presença de Deus. São as mãos de Deus que realizam aquela obra de encantamento sem igual. Aí, de repente, distraindo-se do prazer que oferece a natureza, os olhos caem no trabalho do homem. Que porqueira, que insensatez, que falta de educação e sensibilidade. Os porcalhões fazem de tudo para tornar imunda a nossa orla, despejando toda espécie de lixo no barranco que, depois, é arrastado para o rio.
Vê-se de tudo: entulho de construção, lixo caseiro e de comércio, sacolas e tantas sacolas que ficam bailando no ar ou se retêm presas, sacudindo, nos galhos das árvores ou formando tapetes ao longo da lagoa seca e entradas de ruas. A mão insensata do homem contrapõe à obra de Deus.
A natureza ensina; o homem não aprende. A natureza embeleza; o homem emporcalha.

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