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terça-feira, 11 de setembro de 2012

REPARTINDO COM AS AVES DO CÉU

Manhã fresca. Sopra doce e suave brisa provocando um sussurro no perpassar pelas copas das árvores. Na quietude, o cenário mais parece uma tela... Quebra aquele silêncio morno, um trinado aveludado, doce como uma branda nota de uma flauta. Espaço. Outra nota mais prolongada, quase um acorde, ensaio de uma canção. Reconheço aquele canto. Ele me leva ao passado, a uma pequena casa da Escola Caio Martins daqui mesmo, São Francisco. Como jovem diretor da escola eu a construí, engastada em um bosque de eucalipto, dando fundo para um pequeno pomar que eu mesmo plantei: pinheiras, cajueiros, mamoeiros, mangueiras e coqueiros da Bahia. Era uma casa muito pequena, delicada, romântica, quase um rancho. Ali comecei a minha vida em comum com a minha companheira Vilma. Nela nasceram, com a ajuda de Mãe Casilda, Ricardo e Eduardo. No quintal era uma festa diária aos olhos dos pequenos filhos, encantados com a profusão de aves, bailando entre virentes folhas, ainda molhadas pelo orvalho, de olhos nos frutos sazonandos. No mais alto sibilar o João-Congo que com bico longo e forte preferia os mamões. Levava pouco tempo para consumir a polpa amarelada de tão delicado sabor. Saltitando, em balé ritmado, ao rés das fruteiras, bandos de melros a catar sementes de gramíneas – e depois de intensa cantarolia, tão suave, eles levantavam curtos voos, como se levantassem em lençol negro ao vento, para pousar logo na frente. Depois, pousavam nos galhos das pinheiras (ateira) os sofrês. Uma sessão de canto, quase ensaiada, e, logo vinham as bicadas sobre o casco enrugado da fruta que ainda me parecia verde – eles sabiam mais em seu instinto apurado e me antecipavam no repasto. Eu permitia aquele assalto matinal ao meu pequeno pomar porque de papos cheios, antes da revoada para além, eles me agradeciam com demorado e variado canto, belas canções. Pois é, agora, ao ouvir o chamado em meu quintal fui à janela do meu escritório, com visão para o pequeno pomar que ocupa o quintal de minha casa e parte do fundo dito escritório, pelos dedos verdes de dona Vilma – pés de pinha, manga, graviola, limão, acerola, mamão, jabuticaba, figo, pitanga, seriguela, jambo japonês... e o meu sagrado umbuzeiro.
E que vejo? Um serelepe e saltitante sofrê (curripião) em sua roupagem colorida, muito nobre e elegante, saltitando de galho em galho na pinheira. Pensei, em primeiro momento, que ele estava muito adiantado pois as pinhas ainda estavam verdes, pelo que sondara nas minhas passagens pelo pé. Ledo engano. A bela ave equilibrou-se em um galho, voltou o olhar para todas as direções como receasse estar sendo vigiada e se meteu entre folhas que cobriam uma grande pinha. Uma bicada delicada, porém rápida. Outra mais e... de repente, olha lá o matreiro sofrêzinho com uma baga da doce e delicada polpa da fruta, no bico. Não levou tempo e ele deixou apenas um pequeno talo grudado na galha. Soltou dois acordes melífluos e ganhou o céu.
Pouco me importei com a perda da bela pinha. Pelo contrário, agradeci o sofrê com sua chegada, seu balé e seu canto, que me levaram nas asas da saudade a um tempo em que comecei uma vida nova, uma vida a dois, sacramentada diante da bondade do Pai e de Maria, com cinquenta anos, quatro filhos e sete netos maravilhosos.
. . . . . .

4 comentários:

  1. Naves, gostei demais e me lembrei de 1952, quando eu, aos 9 anos, em Arinos, tinha uma gaiola cheia de passarinhos,apanhados num alçapão de buriti que fiz, armado debaixo de um pé de mangueira, perto de um pilão de socar arroz. Um dia peguei um sofrê, minha maior alegria. Logo depois, um passarinho morreu e então, penalizado, soltei todos. Dirceu Lelis

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    1. Lelis, foi bom levantar o Dirceu sertanejo. Buscar nossos tempos uruianos faz bem ao espírito. Obrigadopela mensagem. Outros encontros teremos pelas veredas urucuianas.

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  2. Seu João, na correria do dia a dia, me deparo com essas publicações que tornam meu dia muito mais feliz. Só uma pessoa com alma de poeta e sensível vê beleza em um pássaro, ou mesmo num cheiroso cacho de flor de mangueira.
    Que seu olhar poético continue nos oferecendo essas riquezas que só nossa cidade tem.
    Silvana

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    1. Silvana, obrigado por sua participção. seu comentário reflete, também, o seu espíritopoético: é o modo de sentir.

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